O selo Popper


Selo ou não sê-lo?

Eis a questão!

O Selo da Terra do Fogo

Meu pai chamava-se Ollie Grab. Era um grande colecionador de selos e por essa razão tinha muitos amigos. Alguns muito bem situados financeiramente, outros muito pobres. Não tinha preconceito e relacionava-se facilmente com todos.

Um destes amigos, muito pobre por sinal, chamava-se Popper. Ele era um judeu que vivia da ajuda da colônia judaica de Praga.

Popper visitava meu pai com certa freqüência, pois gostava de ouvir suas histórias filatélicas. Às vezes, Popper ficava durante horas na sala de estar do Dr.. Ollie com sua única riqueza: um livro de poesias de Carmen Sylva, nome literário da rainha romena pela qual era fervoroso admirador. Na verdade, ele a amava.

O livro era surrado e Popper não desgrudava daquela obra. De tanto ouvir as histórias do meu pai, ele acabou aprendendo alguma coisa a respeito dos selos e da filatelia.

Eles se conheciam há quase um ano quando, num dia de julho, Popper chegou muito triste e disse:

- Nós teremos que nos separar, Dr. Ollie. Eu viajarei para a América.

- Mas o que passa em sua cabeça, você é louco?

- Não sou. É que fui obrigado a viajar.

Acontece que eu custo quase 500 Gulden por mês para a Associação de Amparo aos Judeus de Praga. Ninguém mais irá doar um Kreuzer para o meu sustento. Irão, pelo contrário, ajuntar dinheiro para enviar-me para a América. Afinal de contas gastarão mais comigo, mas de uma única vez.

- Hum! América. Pode até ser bom, Popper.

- É, mas é América do Sul.

- Hum! Não pode ser bom. Mas quem sabe você terá grandes chances. Afinal de contas, Popper, lá tem café, cacau, etc.

- É, Dr. Ollie, tem razão. Mas o lugar para onde eu vou não tem colônia judaica para amparar-me e não é bem América do Sul. É Terra do Fogo, que pertence parte à Argentina e parte ao Chile. É Terra de ninguém, sendo inclusive o local com o menor contingente de judeus do globo terrestre. Bem, eu diria, sem ninguém mesmo.

Popper viajou em agosto e em dezembro, Dr. Ollie recebeu as suas primeiras notícias. Assim que começou a ler a carta, já recebeu uma notícia decepcionante:

- Na Terra do Fogo não existem selos postais. As agências mais próximas distam centenas de quilômetros. Lá é freqüente entregar as cartas e o valor dos portes aos comandantes dos navios que atracam na costa Argentina ou a nativos e caçadores que as conduzem pelas ilhas até algum porto chileno.

Os comandantes e o nativos tratavam de conduzir as cartas ao agente do correio mais próximo.

Nesta carta, Popper ainda dizia ter adquirido uma mina de ouro e iniciaria as escavações brevemente.

Um tempo depois, Dr. Ollie recebeu nova carta com uma foto do seu amigo, que estava bem barbeado, com belas botas de couro e um grande chapéu. Nesta época (1891), na Terra do Fogo, uma foto deveria custar muito dinheiro. Dois meses depois, chegou outra carta, Popper dizia ter vendido a mina de ouro pois havia adquirido um negócio melhor. Sobre esta carta, havia um selo argentino, que meu pai não conhecia e ao lado deste, um outro avermelhado que despertou a sua curiosidade. No meio deste, havia um sol em chamas com um grande "P" ao centro, ferramentas e uma faixa central com as seguintes inscrições: "Tierra Del Fuego". O valor era 10 centavos e ainda continha a inscrição "local". No canto inferior, havia o nome do gravador, "Rudolf Soucoup".

Dr. Ollie Grab ficou espantado, pois não tinha dúvidas sobre a origem da inicial "P". O selo havia sido obliterado com um carimbo que dizia "Colônia Popper". Dentro do envelope havia apenas um bilhetinho dizendo: Está surpreso, Dr. Ollie Grab?

E como ficou surpreso. Seus negócios prosperavam e de certa forma, Dr. Ollie Grab orgulhava-se em ter um amigo colonizador, que passou a marcar o seu nome nos mapas do mundo. De pobre pedinte a grande conquistador da Terra do Fogo! Quem diria, um homem tão simples, que fora rechaçado pela sua colônia em Praga, agora fazendo tanto sucesso.

Meu pai virava a cabeça de um lado para o outro incrédulo: Um selo próprio e um carimbo!!

Escreveu eufórico solicitando a Popper que enviasse logo várias cartas seladas, bem como folhas do seu selo. Sugeriu nesta carta que Popper enviasse também exemplares para a UPU (União Postal Universal) sediada em Berna, na Suíça. Caso a UPU reconhecesse os seus selos particulares, estes teriam valor mundial. Seriam posteriormente catalogados e passariam a ser colecionados.

O colonizador Popper não esqueceu. Enviou logo várias cartas seladas, bem como folhas de seu novo selo. As cartas não continham mensagem alguma. Provavelmente, Popper deveria ser um homem muito ocupado. Alguns envelopes eram selados também com selos chilenos ao lado do selo Popper, evidentemente.

Pelas cartas recebidas, Dr. Ollie reparou que Popper evoluía sem parar. Os carimbos variavam de Colônia San Sebastian, El Paranoe e como clímax, Colônia Carmen Sylva! Grandes personalidades e pioneiros também tem pontos fracos, não é verdade?

Visualizava Popper sentado em um trono, como o novo Napoleão da Terra do Fogo, em um gigantesco casario, cercado de serviçais. Uma linda nativa, sentada a seus pés e que aprendera a ler, provavelmente recitava poesias de Carmen Sylva.

Orgulhosamente Dr. Ollie mostrava a seus amigos filatelistas, os lindos envelopes recebidos. Carimbo limpo, selo bem colado como manda o figurino. Todo aquele que reclamava do seu salário ele retrucava, usando o Popper como exemplo.

Chegou inclusive a vender algumas peças filatélicas Popper por 100 coras.

No ano de 1895, entretanto, foi surpreendido por uma visita inesperada. Era Popper, em carne e osso, de volta a Praga. Mal pôde acreditar.

Ele estava cansado, mal barbeado, sem botas e com a camisa aberta. Não tinha sombreiro. Trazia apenas o seu velho livro com poesias de Carmen Sylva.

Popper entrou e acomodou-se ao lado do aquecedor, dizendo:

- Graças a Deus que eu consegui voltar.

Popper parecia ter chegado do inferno e não da Terra do Fogo.

-Agora, dizia ele, nem 10 Goldsteins irão tirar-me de Praga.

Demorou muito para que meu pai se recuperasse do susto. Logo em seguida, Popper começou a falar.

É, eu cheguei lá e comprei aquela mina de ouro. Escavei uma semana como um louco e não encontrei nada. Pedi a um amigo uma roupa adequada e tirei aquela foto para impressionar você.

Com o dinheiro da mina, comprei pentes, espelhos, cremes de barbear, velas, dinamites e passei a circular como vendedor ambulante.

Andava muito e com freqüência os mineiros me pediam para que eu conduzisse as suas cartas até o porto mais próximo. Pelo serviço recebia alguns centavos em pó de ouro. Com o tempo este pó de ouro passou a ser minha principal fonte de renda. Resolvi então encomendar de um amigo meu, os selos e os carimbos. Cobrava, então, um adicional de 10 centavos em pó de ouro por cada carta conduzida. As pessoas passaram a gostar tanto desta rotina que até no próprio porto de embarque cheguei a aplicar o meu selinho.

Fiquei muito conhecido na região e trabalhei como se fosse uma agência postal ambulante.

Esta minha atividade, porém, chegou ao conhecimento das autoridades postais da Argentina que me confiscaram tudo: selos, carimbos. Proibiram-me de continuar com o meu serviço. Com isso não tive outra alternativa não procurar o cônsul, que conseguiu para mim uma passagem de volta para a Europa no porão de um navio e aqui estou eu novamente.

Popper foi recolhido em um asilo de velhos. Dr. Ollie tentou incluir o seu selo no Catálogo Senf (o mais importante na virada do século), porém sem sucesso. Sua intenção era vender os selos Popper que estavam em seu poder e com o dinheiro tentar tirá-lo do asilo. Foi em vão o seu esforço. Conseguiu vender apenas 8 exemplares e o selo não foi catalogado.

Fica no ar, então, a velha pergunta:

Selo ou não Sê-lo? Eis a questão!

O selo do lendário Popper tem mais de100 anos de existência e figura atualmente nos Catálogos de Selos da Argentina, Chile, no Michel e Stanley Gibbons.

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