QUATRO RAINHAS DO BRASIL


QUATRO RAINHAS DO BRASIL

Por Peter Meyer com colaboração do Everaldo Nigro Santos

Invasão Holandesa, Pena de Morte, Contrabando de tecidos e Casamento

As cartas enviadas de Portugal para o Brasil durante os séculos XVII e XVIII são relativamente escassas. Quando por razão de saúde, guerras ou mesmo morte de um Rei era um Regente que assumia a responsabilidade de assinar diversos documentos.

A seguir apresentamos quatro RAINHAS REGENTES que assumiram estas reponsabilidades.

São elas:

Rainha Luísa de Gusmão, esposa de Dom João IV

Rainha Catarina de Bragança, irmã de Dom Pedro II de Portugal

Rainha Maria Ana da Áustria, esposa do Rei Dom João V

Rainha Marianna Vitória de Bourbon, esposa do Rei Dom José I

Entre 1580 e 1640 Portugal era governado pelos Reis Espanhóis e pelos seus representantes.

O descontentamento dos portugueses aumentou significativamente pelas seguintes razões:

Os prejuízos causados pelos conflitos com os holandeses.

A submissão do comércio luso aos princípios do Rei Felipe IV e do seu valido o conde-duque de Olivares.

A incapacidade de defender as colônias de outras potências estrangeiras.

A ausência de um Soberano.

Em 1 de dezembro de 1640 um golpe de estado pôs fim à monarquia dualista dos Reis da Casa da Áustria (Habsburgos).

Neste dia o Duque de Bragança foi aclamado Rei de Portugal e tem início a chamada Guerra da Restauração (1640 a 1668).

Reza a lenda que o Duque, agora Dom João IV, havia recusado a doar uma esmola a um monge franciscano que em retorno proferiu a chamada “A Maldição dos Bragança”. O monge teria dito que nenhum filho do sexo masculino iria ser coroado Rei de Portugal. O filho primogênito Teodósio (Primeiro Príncipe do Brasil) faleceu aos 19 anos de tuberculose pulmonar.

Um dos grandes desafios da nova dinastia consistia na expulsão dos holandeses do Brasil.

Dom João IV era casado com Luísa Maria Francisca de Gusmão e Sandoval com quem teve 5 filhos.

Teodósio, Príncipe do Brasil

Joana, Princesa da Beira

Catarina de Portugal

Afonso VI de Portugal

Pedro II de Portugal

O tiro saiu pela culatra

A união do Duque de Bragança com Dona Luísa de Gusmão da Casa Ducal de Medina-Sidônia da Espanha havia sido realizada para fortalecer a dinastia Filipina contra qualquer tipo de levante português.

Dona Luísa, entretanto, ficou ao lado do marido. Além disso, exerceu grande influência política e após a morte de Dom João IV em 6 de novembro 1656 ela exerceu o papel de Regente em nome do filho Dom Afonso VI.

Para compreender o início da chamada Restauração de Portugal vamos colocar os fatos em ordem cronológica:

Selo comemorativo rhm:c0162 - Juramento a Dom João IV

1 – 01 de dezembro de 1640 – Aclamação do Duque de Bragança, agora Rei Dom João IV.

2 – 5 de novembro de 1656 – Morte de Dom João IV e sua esposa a Rainha Luísa de Gusmão assume a regência em nome do filho Dom Afonso VI, na época com 13 anos. Dom Afonso VI tinha deficiências.

3 – Em 22 de junho de 1662 o Conde Castelo Melhor consegue que Dom Afonso VI assine uma Ordem Régia que destitui a mãe como regente. Durante 5 anos quem governa o país é o Conde Castelo Melhor (Escrivão da Puridade).

CONDE CASTELO MELHOR

4 – Dom Pedro II e Maria Francisca de Saboia, ex-mulher de Dom Afonso VI conseguem afastar o Conde Castelo Melhor sob a alegação de que este tentou envenenar Dom Pedro. Dom Afonso VI foi banido para a Ilha Terceira de Açores até 1673. Volta para Portugal e fica preso por 9 anos num quarto do Castelo de Sintra.

5 – Dom Pedro II assume no dia 27 de janeiro de 1668 como Príncipe e como Rei a partir de 12 de setembro de 1683, dia da morte de seu irmão Dom Afonso VI (supostamente envenenado).

RAINHA LUISA DE GUSMÃO

FIGURA 01

CARTA DA RAINHA LUISA DE GUSMÃO COMO REGENTE EM NOME DO REI DOM AFONSO VI

Já em 21 de novembro de 1656, em nome do Rei, Dona Luísa escrevia para o Hieronymo (Jerônimo) de Atayde, governador e capitão-general do Estado do Brasil, nomeado em 21 de fevereiro de 1656, para que ele solicitasse ao João Fernandes Vieira, líder da insurreição de 1645 contra os holandeses, armas e navios para lutar contra os invasores. João Fernandes seria o primeiro a utilizar a palavra “Terra Natal” para o Brasil. Por suas conquistas este foi aclamado Comandante da revolução e Governador Militar da Libertação na restauração de Pernambuco.

Sobrecarta enviada de Lisboa no dia 21 de novembro de 1656 para Jerônimo de Atayde com a indicação “Por El Rey” na parte externa e assinada “Raynha” na parte interna da missiva com a solicitação descrita acima.

CATARINA DE BRAGANÇA

Durante o reinado de Dom Pedro II de Portugal a sua irmã, Catarina de Bragança, exerceu por duas ocasiões a regência. A primeira foi quando o Rei Dom Pedro II partiu para a Beira, à frente do exército, com o arquiduque de Áustria e das tropas aliadas, para dar começo à guerra da sucessão de Espanha. A segunda vez foi por algumas semanas em 1705 por razões de saúde do seu irmão.

Nasceu em 25 de novembro de 1638, sendo ela a terceira criança das 5 que nasceram do casamento entre Dom João IV e Luísa de Gusmão.

Em 18 de agosto de 1661 sua mãe anunciou o contrato de casamento de Princesa com o Charles II da Inglaterra. Seguiu-se um contrato de paz entre Portugal e a Inglaterra para fazer frente ao possível avanço de Felipe IV da Espanha. Portugal pagou caro, pois além do dote em dinheiro, cedeu a fortaleza de Tânger e a Ilha de Bombaim na Índia Oriental.

Catarina de Bragança casou-se duas vezes no dia 21 de maio de 1662, sendo uma cerimônia católica secreta e uma anglicana pública. Por ser católica Catarina nunca foi coroada. Deveria gerar descendentes, mas teve três abortos espontâneos. O seu marido, ao contrário do que ela pensava, era muito infiel, sendo gerador de diversos filhos e filhas. Ela não era popular e tão pouco via o seu Rei.

Ela, entretanto, deixou um legado inestimável.

Introduziu a cerimônia do chá das 5, o uso da faca nas refeições, a marmelada, a geleia de laranja, o muffin e o tabaco. O bairro de Queens em Nova Iorque tem este nome em homenagem a Catarina de Bragança.

O CHÁ DAS 5

Segundo reza a lenda a Rainha Catarina criou o hábito do chá das 5 horas para saber qual a cortesã estava ausente, pois provavelmente o Rei Charles estava com ela em suas escapadas.

Após a morte do Rei Charles II, Catarina voltou a Portugal em 1693.

FIGURA 02

CARTA DE CATARINA DE BRAGANÇA COMO REGENTE PARA O BRASIL EM NOME DO REI DOM PEDRO II

Sobrecarta escrita em Lisboa no dia 8 de julho de 1704 para o superintendente das Minas de Ouro no Brasil. Trata-se da comutação de uma pena de morte decretada a um mineiro que estava roubando ouro destinado à Coroa Portuguesa. Na parte externa existe a indicação “Pella Raynha” e na parte interna a assinatura “Rainha”.

A corrida do ouro no Brasil teve início nos anos 1690. Em 1760 estima-se que metade do ouro do mundo era proveniente do Brasil, sendo Vila Rica, atual Ouro Preto, o centro de controle da Corte Portuguesa.

Dom João V foi o segundo filho do segundo casamento de Dom Pedro II com Maria Sofia de Neuburgo. O primogênito, Príncipe do Brasil, Dom João, faleceu após 18 dias do seu nascimento.

Dom João V, apelidado de “O Magnânimo” foi Rei de Portugal entre 9 de dezembro de 1706 e 31 de julho de 1750.

Segundo Veríssimo Ferrão: Dom João V era senhor de uma vasta cultura, bebida na infância com os Padres Francisco da Cruz, João Seco e Luís Gonzaga, todos da Companhia de Jesus. Falava línguas, conhecia os autores clássicos e modernos, tinha boa cultura literária e científica e amava a música. Para a sua educação teria contribuído a própria mãe, que o educou e aos irmãos nas práticas religiosas e no pendor literário [...] logo na cerimónia da aclamação se viu o Pendor Régio para a Magnificência. Era novo o cerimonial e de molde a envolver a figura de Dom João V no halo de veneração com que o absolutismo cobria as Realezas.”

Foi no reinado de Dom João V que começou a corrida do ouro no Brasil.

RAINHA MARIA ANNA DA ÁUSTRIA

Casou-se com Maria Anna da Áustria, prima materna do Rei de Portugal, no dia 9 de julho de 1708 na Catedral de Santo Estevão em Viena. Dom João foi representado pelo Imperador da Áustria.

O Rei sempre teve a saúde delicada. Aos 52 anos (10 de maio de 1742) de idade Dom João V sofreu um forte ataque que o paralisou parcialmente do lado esquerdo. Entre 1742 s 1748 o Rei fez um total de 12 viagens à Caldas da Rainha para se recuperar. Durante estas estadias a Rainha atuava como Regente.

FIGURA 03

A CARTA DA MARIA ANNA DA ÁUSTRIA COMO REGENTE PARA O BRASIL EM NOME DO REI DOM JOÃO V

Sobrecarta completa do Palácio da Ribeira em Lisboa de 17 de setembro de 1748 para o Governador e Capitão General do Rio de Janeiro Antônio Gomes Freire de Andrade sobre o contrabando de tecidos entre Portugal e o Brasil por navios de guerra. Solicita um maior controle sobre este assunto. Do lado externo existe a indicação manuscrita “Por El Rey” e o selo Real. Na parte interna temos a assinatura “Raynha”.

Dom José I foi o segundo filho do casamento de Dom João V com a Rainha Maria Anna da Áustria. O primogênito Dom Pedro de Bragança, Príncipe do Brasil, faleceu aos 2 anos de idade.

Dom José I nasceu no dia 6 de junho de 1714 e reinou de 31 de julho de 1750 a 24 de fevereiro de 1777. Casado com Mariana Vitória de Bourbon teve quatro filhas, todas com o nome Maria.

Maria I de Portugal

Maria Ana de Portugal

Maria Dorotéia de Portugal

Maria Benedita de Portugal

Dona Maria I, casada com o irmão de Dom José I, é a famosa Rainha que mãe de Dom João VI veio ao Brasil. Chamada de Piedosa e de Louca, posteriormente, foi uma excelente Rainha enquanto teve saúde. Foi ela que adquiriu para o Estado os Serviços Postais e com isso nasceram os conceitos de peso e distância para o pagamento das tarifas postais. Casou-se na REAL BARRACA DA AJUDA em 6 de junho de 1760, pois o seu pai, após o terremoto de 1755 jamais pernoitou sob um teto rígido. D. Maria I destituiu o Marquês de Pombal e reaproximou-se da Igreja.

Teria ficado louca por conta da perda de muitos parentes próximos em pouco espaço de tempo ou seria algo genético?

Faleceram entre 1786 e 1788 o marido (1786 aos 68 anos), o filho D. José (1788 aos 27 anos), a filha Mariana Vitória (1788 aos 19 anos) e a neta Maria Carlota (1787 aos 7 dias).

O seu pai, Dom José I, também ficou “louco” em 1744. Tornou-se Regente a sua esposa D. Mariana Vitória, uma posição que manteve até a morte de seu marido em 24 de fevereiro de 1777.

RAINHA D. MARIANA VITÓRIA

FIGURA 04

A CARTA DA RAINHA MARIANA VITÓRIA DE BOURBON COMO REGENTE ENVIADA AO BRASIL EM NOME DE DOM JOSÉ I

Carta escrita em 21 de fevereiro de 1777 no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, três dias antes do falecimento do Rei Dom José I, para Dom Antônio de Noronha, Governador e Capitão General das Minas Gerais a respeito do casamento da quarta filha de Dom José I, D. Maria Francisca Benedita com o seu neto (primogênito) Dom José Francisco Xavier de Bragança. No lado externo a indicação “Por El Rey” e do lado interno a assinatura “Raynha”.

 Ao examinar esta peça eu fiquei na dúvida. De quem é esta assinatura?

Como tenho cartas da Rainha D. Maria I, fui comparar a caligrafia e conclui que esta carta de 21 de fevereiro foi assinada pela Rainha Mariana Vitória de Bourbon, esposa de Dom José I, filha de Felipe V da Espanha e de sua segunda esposa Isabel Farnésio.

 

Conclusão – O papel como suporte da memória e da história continua sendo uma forma segura e até certo ponto longeva. É incrível ver peças com idade entre 246 e 367 anos em pleno terceiro milênio. As peças apresentadas fazem parte das coleções dos autores deste artigo.

Referências Bibliográficas

A Independência de Portugal – Guerra e Restauração 1640-1680 de Rafael Valladares – Editora A Esfera dos Livros – 2006

Documentos Postais na História do Brasil – Everaldo Nigro Santos – São Paulo – 2011

Catálogo de Selos do Brasil 2019 – 1648 a 2019 – Editora RHM – Edição 62

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