100 réis Barba Preta papel azulado, nova descoberta.
Jacques R. Benchimol – 21/09/2023
O estudo dos selos brasileiros de forma geral vem preenchendo suas diversas lacunas. Por incrível que pareça, mesmo nos selos do Império, nos dias de hoje ainda são feitas algumas descobertas.
A meu ver, um dos capítulos mais fascinantes e atraentes são os selos em papel azulado da série DPII ABNC. Em especial o inexplicável selo de 100 réis tipo 2 catalogado no catálogo RHM como 27AC.
Antes de mostrar a nova descoberta vamos fazer um breve relato sobre eles.
Para evitar a reutilização de selos postais através da lavagem dos carimbos, prática comum desde o Olho de Boi, foi tentado um novo sistema para evitar esta fraude. Em 1868, Ferrocianeto de Potássio foi adicionado a massa de papeis quando da feitura das folhas dos selos, para que a substância ao entrar em contato com a água reagisse com o ferro da massa do papel formando o Ferrocianeto Férrico, ou Azul da Prússia. Contudo, o processo era desencadeado espontaneamente pelo ambiente úmido brasileiro, o que tornou ineficaz a iniciativa. A fabricação desses selos, ditos “azulados” ou, erroneamente, “azulados pela goma” foi assim suspensa.
Não encontrei pedido das autoridades brasileiras ou mesmo uma informação da ABNC para essa iniciativa.
Encontra-se nos valores de 10 a 100 réis. O verso parcialmente azulado pode ser observado nos valores 10, 20, 80 e 100 réis e mais raramente nos 50 réis, que aparece geralmente com o verso totalmente azulado. Isso não existe nos selos de 200 e 500 réis porque esses valores não foram ordenados naquele período.
A única ordem de impressão que continha selos de 10 réis a 100 réis foi a de 6 de abril de 1868, os quais foram entregues entre 22 de junho e 22 de agosto do mesmo ano. As cartas utilizando selos em papel azulado, apesar de raras, também são encontradas a partir dessas datas.
As quantidades de selos nesse pedido foram de 1.000.000 de exemplares de 10 réis, 1.000.000 de 20 réis, 1.000.000 de 50 réis, 500.000 de 80 réis e 1.500.000 de 100 réis. Foram entregues na Corte em 3 remessas: 22/06/1868, 22/7/1868 e 22/08/1868. Não se tem registro se foi utilizado papel azulado para todo esse quantitativo.
O selo de 100 réis Dom Pedro II ABNC, denteado é um selo aparentemente comum. Total de 34.600.000 selos impressos. Aparece em grandes quantidades, pois o 1º porte era de 100 réis e era empregado no envio de cartas simples. Único selo com 3 cunhos diferentes e 4 variações de formato, sendo que um deles apresenta 100 selos diferentes na mesma chapa.
Vou me ater aqui aos selos de 100 réis papel azulado, bem mais raro, em que são encontrados nos tipos 1 (27a), tipo 1b (27Aa) e muitíssimo raramente no tipo 2 (27A). A grande maioria é do tipo 1b. Muitas vezes confundida pelos comerciantes como sendo do tipo 2 por apresentarem as hastes duplas na lateral esquerda, característica encontrada realmente no tipo 2, mas a chapa retocada, apesar de ser visível o retoque manual, produziu selos bem semelhantes ao tipo 2, principalmente quando examinado somente as hastes do lado esquerdo. Esse selo tem que ser verificado nas duas laterais. Tenham muita atenção ao adquirir um selo papel azulado “tipo 2”.
Como o selo tipo 2 (27A) entrou em impressão/circulação entre 1870 e 1871 não é fácil encontrar uma explicação convincente para a existência de exemplares deste tipo em papel azulado, uma vez que o “papel azulado” só foi impresso em 1868, durante um curto período.
A hipótese mais lógica e aceitável é que algumas folhas de papel contendo ferrocianeto de potássio que haviam sido armazenadas foram reaproveitadas para impressão, cerca de 2 anos depois. Muitas poucas peças conhecidas.
Aposto que você irá procurar por anos para conseguir selo simples ou múltiplo dos três exemplares. Talvez até décadas. Do tipo 2, tanto novo quanto usado, nem se fala. Um dos maiores desafios da filatelia clássica do Brasil. Tão raros quanto os numerais inclinados novos de 180, 300 e 600 réis e mais raros que os usados.
Mas de qualquer forma existem peças que, descobertas, causam uma certa sensação.
A peça abaixo ilustrada, por incrível que pareça, já estava catalogada nos estudos de Comelli na Mosaico 16. de março de 1996, página 10, letra a - figura 16, como múltiplo do 3º cunho, Bloco de 8 vertical (2x4). Impressão deslocada para cima. Obliterado com carimbo muito similar ao PA 247. Selo superior esquerdo do bloco com defeito nos picotes superiores – Tipo IV. Porém, não era conhecida como papel azulado e na página 12, quando da apresentação do selo de100 réis “Goma Azul” ele descreve que múltiplo algum foi oriundo do 2º e 3º Cunhos. Todo o material abaixo descrito com GOMA AZUL é proveniente do 1º CUNHO.
Hoje a descrição seria BEM diferente: Bloco de 8 vertical (2x4). Picotagem deslocada para baixo. Obliterado com carimbo muito similar ao Klerman 1220. Selo superior esquerdo do bloco com defeito nos picotes superiores, nada que prejudique
a grandiosidade da peça – Tipo IV- 3º Cunho. Peça inusitada e extremamente rara em papel azulado. Não bastasse, a peça possui um risco no selo inferior esquerdo abaixo da letra E de CEM a ser catalogado.
Até há pouco tempo, em 2021, quando a descoberta foi certificada, não existia um único múltiplo tipo 2 em papel azulado. Essa peça pertenceu a grandes filatelistas como Marcelo Studart, Carlos Alberto Vieira Muniz e Renato do Amaral Machado. Por fim, foi adquirida, em 2015, pelo especialista Anisio T. Khader. Não fosse sua perseverança e olhar aguçado, ela permaneceria com sua descrição inicial, por isso, como todas as grandes peças da filatelia possuem um nome, passei a denominá-la Bloco “Anisio T. Khader”. Para mim, essa peça pode ser considerada uma das grandes peças da filatelia nacional.
Assim como essa peça foi encontrada, outras também poderão surgir.
Fig 1 – Bloco de 8 100 réis tipo 2 papel azulado frente
Fig 2 - Selo inferior esquerdo com risco
Fig 3 – verso