AS PROVAS DA EMISSÃO 1894-1906


 AS PROVAS DA EMISSÃO 1894-1906

Neste longo período, que me dedico a colecionar e a estudar a Emissão 1894-1906 – Madrugada Republicana, adquiri, em diferentes momentos, três peças anunciadas como provas tipográficas da emissão. Ficaram guardadas, quase esquecidas, em um classificador. Participante de leilões filatélicos, algumas vezes como comprador e na maioria das vezes como observador, encontrei ocasionalmente lotes sendo ofertados e denominados de provas desta emissão. Recentemente, em visita a um colega filatelista, ele me mostrou várias peças, de diversos valores, classificadas como provas da emissão 1894-1906. Atraído pelo conjunto e bastante curioso, pedi a ele para me emprestar essas peças, com o intuito de estudá-las.

Com esse material sobre a minha mesa de estudos, resolvi, previamente levantar a bibliografia existente sobre as provas; sua existência e suas características. Iniciei pelo estupendo estudo do Ponge, Flatau e Baade – Brasil: Estudo Sobre as Emissões de 1894 a 1906 (PFB) e nada encontrei. Fui então atrás de outras publicações procurando informações sobre as provas, desde os estudos remotos dos filatelistas Napier e Pack, respectivamente, em 1911 e 1912, até aos estudos mais recentes do saudoso Dr. Armando Ribeiro e do grande expert na Madrugada Republicana, Sr. Guido José de Oliveira. Em nenhum havia qualquer referência à existência das provas. Tenho cópia da correspondência particular do Dr. Ivo Ferreira da Costa com Helmuth Ponge e com Ovídio Christino e também do Dr. Armando com este último; mesmo resultado, não havia referência às provas de impressão.

Tenho a cópia da coleção do sr. Ovídio, onde não existe a apresentação de qualquer prova de impressão

Com este filatelista, meu amigo, tive acesso à uma cópia xerográfica preta e branca, da premiada coleção da Madrugada Republicana – Republican Dawn – do Sr. Guido, exposta na España 2000. Nesta coleção, O Sr. Guido apresentou as seguintes peças:

. página com a imagem de 18 selos sem denteação, sendo que os dez superiores, em duas fileiras, com todos os valores da primeira emissão (N sem ponto), com as cores definitivas, à exceção do selo de 700 réis (provas de cor); 5 selos sem denteação na terceira fileira da folha com selos em que as cores não foram aprovadas e por fim, uma fileira com 3 selos, que levam no verso a assinatura do gravador o Sr. José Villa Boas. Segundo o Sr. Guido estes três são as únicas provas da goma conhecidas, também sem denteação.

. página com um bloco de 20 selos não denteados de 200 réis nas cores rosa e preto (sic), impresso em papel mesh escuro, sendo que este papel e o selo nessas cores nunca foram utilizados na emissão circulada; uma quadra de selos de 20 réis nas cores amarelo e preto em papel mesh e com uma tonalidade de tinta dita como enferrujada; um par de selos de 300 réis nas cores verde e preta impresso em papel cartão; uma quadra de selos de 100 réis em papel mesh escuro nas cores vermelho e preta e com a cabeça de 97; todos não denteados.

. página com um bloco de 25 selos não denteados de 300 réis impresso em papel cartão espesso, provavelmente nas cores verde e preta, prova da ordem de impressão nº 53, ordem de 8 de fevereiro de 1906, indicando que foram feitas provas de impressão no transcorrer da emissão da série.

. página com um bloco de 28 selos sem denteação de 1000 réis impresso em papel cartão espesso, provavelmente nas cores verde e malva, prova da ordem de impressão nº 78, ordem de 3 de março de 1906.

. três páginas com 12 provas impressas em grafite diretamente do bloco de madeira em que foram gravados os desenhos das molduras e centros dos selos.

Todas as provas descritas, como já mencionei, não eram denteadas. Também não havia uma descrição pormenorizada dos papéis utilizados.

Uma pergunta me persegue. Por que, em uma emissão tão estudada por mais de 100 anos, não foi feita, nos diversos estudos e artigos publicados, nenhuma menção às provas de impressão? Os antigos filatelistas pesquisadores informam que um incêndio nas instalações da Casa da Moeda, em 1911, destruiu a grande parte dos documentos oficiais referentes à emissão da Série Madrugada Republicana e, provavelmente as provas das matrizes foram perdidas neste incêndio. Nesse momento, esta é a resposta que tenho pelo pouco material encontrado e, em consequência do pouco material, veio o pouco interesse em estudá-lo.

Raymundo Galvão de Queiroz, em seu “Dicionário do Filatelista” considera uma prova ...como aquilo que mostra a verdade... Em seguida, descreve a prova de um selo como o exemplar primeiro, para que nele se façam as correções acaso necessárias, antes da impressão definitiva. Portanto, a prova de um selo ou de uma folha de selos é uma impressão ensaio da matriz original para ter a certeza de que a imagem está perfeita. O impressor verifica a cor, o espaçamento, a nitidez, a ocorrência de possíveis falhas antes de dar o consentimento para a impressão definitiva dos selos que irão circular. Geralmente as provas são impressas em papéis diferentes dos que serão usados para a impressão definitiva. Com frequência utiliza-se o papel da Índia – que é opaco, fino e resistente, sendo que sua textura e natureza permitem impressões claras de uma gravura fina e delicada – ou então o papel cartão espesso e claro. Utiliza-se ainda uma regulagem na impressora mais forte do que a que será usada na impressão definitiva, provocando muito frequentemente uma impressão em relevo no verso da prova.

Algumas provas são também realizadas no transcurso de uma emissão para verificar os desgastes da matriz.

Vários tipos de prova podem ser feitos: de cor, de prelo, de picotagem, de cola.

Agora, analisarei as peças que tenho em mãos, os papéis e a que período da emissão 1894-1906 elas correspondem, além de detalhes das figuras impressas

Os papéis serão examinados tendo em vista a sua espessura, a transparência, a coloração, a trama, a estrutura, a dureza e o aspecto da superfície.

Todas as peças examinadas tinham as imagens dos selos no tamanho descrito pelo Edital dos Correios de 20 de julho de 1894, 26 x 21 mm, que informou sobra a emissão 1894-1906. Nenhuma peça era denteada ou gomada.

. 10 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 10 réis, distância horizontal (DH) de 0,5 mm, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 81X (moldura A e centro B), posição no bloco de dez (PBD), provavelmente 6/7. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve horizontal (H), estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de impressão em relevo (IR) no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 10 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 10 réis, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 81X (moldura A e centro B), PBD indeterminada. Papel com espessura de 65 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve H, estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 10 réis – Quadra com imagem e cores do selo circulado de 10 réis, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 81X (moldura A e centro B), PBD 3/4 e 8/9. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve H, estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

Esta quadra merece um comentário especial. O selo superior direito, da PBD 4, apresenta um defeito na área A, muito semelhante ao DSM 1 A 042 conhecido como carrapato, que também ocorre no 4º selo do bloco de dez. O Sr. Guido José de Oliveira não tem uma explicação para a variação das dimensões do defeito carrapato, que se torna menor nas composições mais recentes (Revista Mosaico nº 26). Este pode ser o defeito carrapato modificado.

. 10 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 10 réis, DH de 2 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM margens largas (3º grupo), PBD 6/7. Papel com espessura de 120 μ, branco, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de impressão IR no verso bem leve. É o denominado papel cartão.

. 10 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 10 réis, DH de 2 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM margens largas (3º grupo), PBD 1/2. Papel com espessura de 110 μ, branco, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de impressão IR no verso bem leve. É o denominado papel cartão.

. 10 réis – Quadra com imagem e cores do selo circulado de 10 réis, DH de 2 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM margens largas (3º grupo), PBD 4/5 e 9/10. Papel com espessura de 110 μ, branco, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de IR no verso bem leve. É o denominado papel cartão.

. 20 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 20 réis, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM do grupo 1, PBD 3/4. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve H, estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem leve. Sugere ser o papel A da classificação do PBF. Apresenta, curiosamente, manchas de tinta azul do centro espalhadas na moldura.

. 20 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 20 réis, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM do grupo 1, PBD 3/4. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve H, estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem leve. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 50 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 50 réis azul, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 92, impresso em chapa única. PBD 9/10. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de IR no verso bem leve. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 50 réis – Quadra com imagem e cores do selo circulado de 50 réis azul, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 92, impresso em chapa única. PBD 4/5 e 9/10. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de IR no verso bem leve. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 50 réis – Quadra com imagem e cores do selo circulado de 50 réis azul, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 92, impresso em chapa única. PBD 1/2 e 6/7. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de IR no verso bem leve. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 50 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 50 réis verde, DH de 2 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM do 3º grupo, impresso em chapa única. PBD 4/5. Papel com espessura de 110 μ, branco, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de IR no verso bem leve. É o denominado papel cartão.

. 200 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 200 réis amarelo e preto, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 85a, do 2º grupo, PBD 1/2. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve V, estrutura V, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 200 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 200 réis amarelo e preto, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 85a, do 2º grupo, PBD 9/10. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve H, estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 200 réis – Par vertical com imagem e cores do selo circulado de 200 réis amarelo e preto, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 85a, do 2º grupo, PBD 3/8. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve V, estrutura V, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 200 réis – Quadra com imagem e cores do selo circulado de 200 réis amarelo e preto, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 85a, do 2º grupo, PBD 1/2 e 6/7. Papel com espessura de 50 μ, pardacento, liso, duro, opaco, trama leve H, estrutura H, presença de micro-pontos translúcidos, presença de IR no verso bem nítida. Sugere ser o papel A da classificação do PBF.

. 300 réis – Par vertical com imagem e cores do selo circulado de 300 réis verde e preto, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 86, do 1º grupo, PBD 3/8. Papel com espessura de 75 μ, claro, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura indeterminada, presença de IR no verso bem nítida. Não se parece com nenhum dos papéis usados nessa emissão.

. 300 réis – Quadra com imagem e cores do selo circulado de 300 réis verde e preto, DH de 0,5 mm, N de UNIDOS sem ponto branco, correspondendo ao selo RHM nº 86, do 1º grupo, PBD 2/3 e 7/8. Papel com espessura de 80 μ, levemente pardo, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de IR no verso bem nítida. Não se parece com nenhum dos papéis usados nessa emissão.

. 300 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 300 réis verde e preto, DH de 2 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM margens largas (3º grupo), PBD 9/10. Papel com espessura de 110 μ, branco, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura V, presença de impressão IR no verso nítida. É o denominado papel cartão. Notar a presença do DSM 3 B 531 no selo da direita.

. 300 réis – Par horizontal com imagem e cores do selo circulado de 300 réis verde e preto, DH de 2 mm, N de UNIDOS com ponto branco, correspondendo ao selo RHM margens largas (3º grupo), PBD 8/9. Papel com espessura de 110 μ, branco, liso, duro, opaco, sem trama, estrutura H, presença de impressão IR no verso nítida. É o denominado papel cartão.

Neste pequeno número de peças examinadas encontrei que a maioria delas do 1º e do 2º grupo de chapas comuns (sem e com o ponto no N) e que considerei como provas, foram impressas em papéis semelhantes ao tipo A do estudo do PBF. Duas peças, um par e uma quadra no valor de 300 réis, foram impressas em um papel diferente dos papéis utilizados na emissão que circulou. Já as provas das peças do 3º grupo, DH de 2 mm, foram impressas em papel cartão.

Conclusões: É praticamente impossível identificar provas da emissão 1894-1906, em selos isolados, não denteados, com papéis semelhantes aos utilizados na emissão que circulou. Já os múltiplos sem denteação, impressos nesses papéis semelhantes aos utilizados na emissão circulada, podem ser identificados como provas pela qualidade da impressão (cores e nitidez) e pela presença de impressão em relevo no verso, pois a calibração da impressora era feita para imprimir com maior pressão. Estes, com alguma segurança, podem ser considerados como

provas. Já os impressos nos papéis cartão e naqueles não utilizados na impressão que circulou, a identificação como prova é mais fácil e segura.

Em um interessante e bem humorado artigo sobre identificação de provas, o articulista cita, que além do material a ser estudado e o tempo disponível, é necessário que o pesquisador tenha boa visão, boa iluminação, muita paciência, boas lentes de aumento e experiência. Dá ainda uma série de sugestões:

. Dê preferência a estudar selos de aspecto “diferente”, bem impressos, com detalhes do desenho nítidos;

. Estude em múltiplos;

. Observe cuidadosamente os detalhes;

. Utilize selos que circularam para comparação;

. Olhe a peça que está sendo estudada de vários ângulos e inclinações.

Utilizei para o estudo 2 micrômetros e um microscópio ótico. Para observação do papel utilizei também a benzina em um recipiente de fundo preto.

Como se pode deduzir da minha escrita no início do artigo, a minha experiência com provas em geral e especificamente da Emissão 1894-1906 era nenhuma. Espero que este pequeno artigo que escrevi, com tantas dúvidas, anime os filatelistas a estudarem as suas peças ditas como provas, da Madrugada Republicana e compararem com os meus achados e também a investigar a literatura, na tentativa de encontrar mais informações. Agradeço as críticas; serão benvindas. Agradeço ainda a aqueles que tendo as provas, ou as possíveis provas, mandem informações. Meu e-mail é mmel.bh@terra.com.br

Observação: Ao filatelista, meu amigo, que me forneceu as peças para este estudo e que me mostrou a cópia da coleção do Sr. Guido, além de ter feito a primeira leitura deste texto, é Costantino Papazoglu, profundo conhecedor das emissões do Império e da emissão Tintureiro; meu muito obrigado.

Bibliografia:

. Estudo do Ponge, Blaade e Flatau;

. Catálogo RHM;

. Die Recognition and study de George, W. Brett.

. Guido José de Oliveira – Estudo na Revista Mosaico nº 26.

Abreviações:

. RHM – Catálogo RHM;

. DH – Distância horizontal;

. PBD – Posição no bloco de dez;

. V – Vertical,

. H – Horizontal,

. DSM – Defeito secundário de moldura;

. PBF – Ponge, Blaade e Flatau.

Márcio Hamilton Protzner de Oliveira

Fevereiro de 2021

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