CENTENÁRIO DE ABERTURA DOS PORTOS
A abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional por decisão do Príncipe Regente, em Carta Régia de 28 de setembro de 1808, inspirada pelo Visconde de Cairu, é um dos fatos de maiores consequências econômicas e políticas da fase da nossa história que precedeu a proclamação da Independência, sendo aliás, uma de suas causas. O historiador contemporâneo padre Luiz Gonçalves dos Santos (o padre Perereca), nas Memórias para servir à História do Reino do Brasil, noticiou-a como “imortal carta, digna de ser gravada em letras de outo”. Mas nem todo mundo gostou. Os comerciantes, em geral, portugueses, fizeram forte oposição. Os motivos para isso podem ser encontrados no livro Notícias do Brasil, do reverendo Robert Walsh, que morou no Rio de Janeiro, em 1828-9, atuando como capelão do embaixador lord Strangford, e descreveu a primeira farra dos importados da nossa história: “Tal era a ânsia especuladora na Inglaterra, que tudo era mandado para o Brasil, sem a menor preocupação com relação à sua conveniência ou utilidade {...} Havia imenso suprimento de grossos cobertores, aquecedores de carvão e, para completar a série de disparates, patins de neve”. Estes, os brasileiros, transformavam em facas e ferraduras: “Dessa forma, quando as pessoas descobriram que não podiam usar esses objetos em si próprias, colocaram-nos nas patas dos seus cavalos; e assim mais de um animal viajou realmente sobre patins ingleses do Rio a Vila Rica”. Por essa certamente o Visconde de Cairu não esperava. Prossegue Walsh: “Frequentemente eu ia à Alfândega para ver esses produtos importados {...} e por curiosidade anotava alguns artigos: xales, lenços, bonés, roupas de algodão, sedas, botas, sapatos, meias, camisas, luvas, chapéus, caixas de toucar, espelhos, facas, martelos, machados, alfinetes, agulhas, pás de pedreiro, mosquetes, quadros, pianos, barômetros, taças, canecas, jarros e mais outros incontáveis artigos de vestuário e implementos mecânicos ou científicos. Cobriam uma extensão de um ou dois acres.”
Quando se imagina como se constrói uma dívida externa, o reverendo Walsh nos dá bons exemplos: “São consumidos anualmente no Rio de oitenta a noventa mil tonéis de farinha de trigo, que vêm quase exclusivamente dos Estados Unidos. Também são consumidas grandes quantidades de peixe na Quaresma e nos dias de jejum; a maior parte é enviada pelos ingleses da Terra Nova.” E o sabão vinha da Rússia.
O livro de Walsh é um dos melhores do e sobre o Primeiro Reinado.