DUAS COMEMORAÇÕES EM UM ÚNICO SELO


250 ANOS DO NAUFRÁGIO DO NAVIO PIRATA EM PARANAGUÁ/PR e PRIMEIRA PESQUISA HISTÓRICA SUBMARINA

José Paulo Braida Lopes

Um selo pode trazer muitas informações e pesquisas que nem sempre estão registradas nos catálogos. O selo RHM C0590 é um exemplo. A começar pelo motivo de sua emissão e pela história que ele retrata. Para tanto é necessário passar por algumas definições filatélicas, conhecer os detalhes técnicos do selo, entender sobre o selo e, só aí então, partirmos para a análise do registro histórico e do evento contemporâneo ligado a este fato que o selo comemora.

Definições

Segundo o “Pequeno Dicionário Filatélico” de Ana Lúcia Loureiro Sampaio, um selo comemorativo é emitido para comemorar alguma data, evento, fato histórico ou personagem. O conteúdo de um selo é o que diz respeito às imagens e legendas estampadas no mesmo, quanto ao seu visual, ideia ou, mensagem que transmite, seja no sentido artístico, científico, político ou filosófico.

Detalhes Técnicos

Data da Emissão: 09/03/1968 - Artista: Biaggio Mazzeo - Processo de impressão: Rotogravura - Papel: Filigranado (filigrana "Q") - Folhas: 25 selos - Tiragem: 3.000.000 - Picotagem: 11,5 x 11 - Área do desenho: 21 x 39 mm - Dimensões do selo: 26 x 44 mm - Local de Lançamento: Paranaguá/PR.

Sobre o Selo

O selo RHM C0590, desenhado pelo filatelista Biaggio Mazzeo, apresenta no seu conteúdo a imagem de um escafandrista, de uma Santa com o Menino Jesus nos braços e de um navio naufragado. Além da identificação “Brasil Correio” e o valor facial de 10 cts., aparecem na margem inferior a legenda “PARANAGUÁ 1718-1968” e na lateral direita “1ª PESQUISA HISTÓRICA SUBMARINA”.

Nos catálogos especializados cada selo é identificado pelo fato, evento ou personagem que o mesmo representa. A seguir relacionamos como esse selo está registrado em diversos catálogos.

No catálogo RHM 2019 (61ª Edição) na página 299 o selo RHM C0590 é identificado como “SESQUICENTENÁRIO DA 1ª PESQUISA HISTÓRICA SUBMARINA”.

No catálogo RHM de 1978 o selo 590 é identificado como “1ª PESQUISA HISTÓRICA SUBMARINA”.

No catálogo Yvert o selo é o de número 848 e é identificado como “Sesquicentenaire des recherches sous-marines, à Paranagua” (“Sesquicentenário de pesquisa subaquática, em Paranaguá”).

No catálogo Scott o selo é o de número 1076 e é identificado como “250th anniversary of the first underwater explorations at Paranagua” (“250º aniversário das primeiras explorações subaquáticas em Paranaguá”).

No catálogo Michel o selo é o de número 1164 e é identificado como “150 Jahre submarine Geschichtsforschung bei Paranaguá” (“150 anos de pesquisa histórica submarina em Paranaguá”).

No catálogo Stanley Gibbons o selo é o de número 1207 e está identificado como “250th Anniv. of Paranagua Underwater Exploration” (“250º aniversário da exploração subaquática em Paranaguá”).

Também foi emitido um carimbo comemorativo e no Catálogo Zioni-Soares o carimbo recebeu o número 1316 e é identificado como “1ª Pesquisa Histórica Submarina”.

Dois Envelopes do Primeiro Dia foram encontrados. 

Um emitido pelo Clube Filatélico do Brasil, onde aparecem o selo, o carimbo do primeiro dia de circulação na Guanabara e a figura de uma pessoa dentro de uma câmara para mergulho com a inscrição “PESQUIZA SUBMARINA”.

O outro envelope (sem identificação do emissor) apresenta o selo, o carimbo do primeiro dia de circulação no Paraná, o carimbo comemorativo e uma figura mostrando um escafandrista junto a um navio naufragado, um resgate de uma peça (aparentemente um canhão) por uma balsa, uma rosa dos ventos com a indicação dos anos 1718-1968 e as inscrições “PARANAGUÁ – ILHA DE COTINGA” e “250 ANOS DO NAUFRÁGIO DO NAVIO PIRATA”.

Dos elementos acima, podemos afirmar que os catálogos que registram como sesquicentenário estão enganados, pois sesquicentenária é uma medida de tempo que é um período de cento e cinquenta anos. E o registro no selo é de 250 anos (1718-1968). Também há um engano quando indicam que são 150 ou 250 anos da primeira pesquisa história submarina.

O selo foi emitido para comemorar dois eventos, que são inter-relacionados. O primeiro evento é para comemorar um fato histórico que são os 250 ANOS DO NAUFRÁGIO DO NAVIO PIRATA NA BAIA DE PARANAGUÁ NO PARANÁ. Isto fica evidente pelo registro no rodapé do selo da inscrição “PARANAGUÁ 1718-1968” e do desenho do artista de um navio naufragado no fundo d’água.

O outro evento que o selo comemora é um fato contemporâneo para época da emissão do selo, que é a “1ª PESQUISA HISTÓRICA SUBMARINA”, fato registrado no selo e que o artista retrata com o escafandrista (prática do século XX) e a imagem de uma Santa que foi recuperada do navio naufragado, durante o resgate/pesquisa submarina.

 Portanto o selo RHM C0590 é comemorativo aos 250 ANOS DO NAUFRÁGIO DO NAVIO PIRATA EM PARANAGUÁ/PR e PRIMEIRA PESQUISA HISTÓRICA SUBMARINA.

Evento Histórico – O naufrágio

No inicio de 1718, entrou na baia de Paranaguá um navio mercante espanhol, vindo de Valparaizo do Chile com uma grande carga em prata. Fundeou para abastecer-se de água e mantimentos antes de voltar para a Europa. Naquelas águas também estava a embarcação pirata “Louise”, de bandeira francesa, que, vendo a embarcação espanhola decidiu tentar apossar-se da mesma. O navio espanhol fundeou nas proximidades de Paranaguá, no porto chamado "de Nossa Senhora". Os piratas decidiram fundear próximo da ponta da Ilha da Cotinga e aguardar alguma movimentação do cargueiro. A população da vila de Paranaguá temia pelo pior, um saque não só ao cargueiro, mas também a vila que, naquele tempo encontrava-se sem defesas e com sua população sem treinamento em armas. Restou-lhes rezar pedindo "divina proteção", implorando auxílio à sua padroeira, Maria Santíssima Senhora do Rosário. Seja pelo acaso da natureza ou pela divina vontade, aconteceu uma forte tempestade de forma tão rápida que o navio pirata não teve tempo de procurar abrigo e, jogado pelas forças do vento e do mar, acabou por bater numa laje submersa, naufragando rapidamente. O naufrágio ocorreu no dia 09 de março de 1718. Poucos foram os piratas que sobreviveram e que foram capturados. Nos interrogatórios que se seguiram soube-se que a embarcação pirata já havia pilhado outros navios e que existiam a bordo 2 cofres com os tesouros conseguidos.

Evento Contemporâneo – A pesquisa Submarina

Com a informação de que havia dois cofres com tesouros que foram pirateados pela tripulação do navio francês “Loise”, naufragado por uma tempestade em 09 de março de 1718 na ponta da ilha da Cotinga na baia de Paranaguá, começaram os resgates da preciosa carga. Em 1730 um grupo de negros mergulhadores, comandado por João de Araujo Silva, resgatou do naufrágio um cofre, com moedas de ouro e prata, armas e oito canhões. A busca feita com recursos precários da época interrompeu-se devido à morte de um dos mergulhadores, e só foi retomada em 1963 quando uma nova tentativa de resgate foi proposta. Um grupo de São Paulo decide tentar, utilizando técnicas modernas, resgatar o que havia sido deixado e, talvez, um cofre contendo cerca de 250 quilos de ouro. Nas operações, com uso de dragas e escafandristas, foram resgatados, entre outras peças menores: 29 canhões de ferro, 1 canhão de bronze, 1 sino de bronze, centenas de balas de canhão, colheres e garfos, cachimbos, arcabuzes, várias moedas de ouro e prata, um Jesus Cristo em Marfim, uma imagem em terracota com 12 cm de altura da Virgem Maria coroada, carregando no braço esquerdo o Menino Jesus.  O resgate aconteceu de 1963 a 1966, quando foi interrompido, mas sem que sua meta principal, a localização do cofre fosse atingida. Este é o primeiro caso no Brasil de uma pesquisa histórica submarina de um naufrágio que foi planejada e utilizada técnicas e equipamentos modernos para aquela época.

Algumas peças dessa operação se encontram no Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá e no Museu do Ipiranga, da Universidade de São Paulo (USP).

Curiosidades da pesquisa submarina:

Duas bandeiras: O navio pirata usava duas bandeiras. Uma a tradicional da pirataria, tendo uma caveira com duas tíbias cruzadas. Outra, a figura de um pirata, segurando a cabeça decepada de um homem e empunhando uma espada. As bandeiras foram encontradas dentro de uma urna.

Roubo do canhão: um dos canhões recuperados do naufrágio foi roubado por marinheiros alemães, tripulantes de um cargueiro, então atracado no Porto de Paranaguá. Dado o alarme a todas as policias portuárias da Europa, os marujos foram detidos em Hamburgo, na Alemanha, quando tentavam vender a peça histórica.

Canhão carregado: Quando da limpeza da grossa camada de ferrugem e lodo de um dos canhões recuperados, foi constatado que o mesmo estava carregado a ponto de ser disparado. Foi encontrado dentro do canhão a bucha de corda e um pequeno saco, costurado a mão, onde ficava o chumbo.

Fonte: http://www.naufragios.com.br/louise.html; Catálogos: RHM, Yvert, Scott, Michel, Stanley Gibbons e Zioni-Soares; jornais dos anos de 1960/1970.

Agradecimentos: João Alberto Correia da Silva e Peter Meyer

 

 

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