O CATÁLOGO ENCICLOPÉDICO DE SELOS E HISTÓRIA POSTAL DO BRASIL
Em 1997 precisei consultar o valor de uma peça da Guerra do Paraguai. Era um envelope com um carimbo “H” com um selo argentino. Eu não fazia a menor ideia do que era. Consultei o catálogo de selos argentinos de 1958 do Victor Kneitschel (em dois volumes) percebi que estava diante de uma obra especial. Para mim aquele era até o momento o melhor catálogo que eu já tinha visto. Lá encontrei o significado do carimbo “H”. Era uma correspondência civil de uma pessoa que estava dentro da fortaleza de Humaitá durante o conflito. Sensacional.
Página 45 com a carta do carimbo "H"
Logo pensei: vou fazer algo assim para os selos do Brasil.
Eu já havia colecionado as convenções postais que o Brasil havia assinado com diversos países. Eu ia na Biblioteca Municipal e tirava cópias xerox (na época não havia internet) e assim li todos aqueles textos longos e cansativos. Conclui que eu deveria pedir a um amigo um estudo de análise combinatória em computador, confrontando os portes existentes com o valor facial dos selos emitidos. Este amigo fez este trabalho e trouxe uma lista de pelo menos 1.000 páginas impressas. Logo percebi que aquilo tudo iria virar rascunho.
Como fazer então o levantamento das cartas com selos do Brasil Império?
Decidi comprar um livro de atas. Recortei os 69 selos do Brasil Império de um catálogo antigo e colei um em cada página. Assim fazendo comecei a percorrer os corredores das exposições e anotava todas as combinações possíveis. Olhei também dezenas de catálogos de leilões e depois de um tempo percebi que era possível fazer alguma coisa.
Comecei definindo: selo primo, franquia simples, franquia múltipla, franquia mista, franquia composta e cartas taxadas. Desta forma eu podia numerar as cartas empregando a numeração já existente.
DEFINIÇÃO DE SELO PRIMO
Para podermos classificar os envelopes contendo franquias múltiplas, mistas e compostas torna-se necessário definir o “selo-primo”.
SELO PRIMO – É o selo mais antigo (isolado ou de uma série) e de menor valor facial presente sobre uma carta, envelope, sobrecarta, cinta ou jornal.
No caso ilustrado o selo primo é o 10 réis azul - rhm:019
FRANQUIA ISOLADA
FRANQUIA MISTA
FRANQUIA MULTIPLA
FRANQUIA COMPOSTA
FRANQUIA TAXADA
TRISSETO
Juntamente com a ajuda de diversos filatelistas de grande importância eu consegui compor o que seria depois o Catálogo Enciclopédico. O trabalho foi finalizado em forma de uma brochura impressa no final de 1998.
No final deste ano eu viajei para a França para definir, juntamente com uma empresa francesa, a realização de um leilão de peças filatélicas. Ao visitar a empresa, que faria a parceria no projeto, eu levei uma brochura impressa do catálogo enciclopédico.
Lá chegando eu mostrei o projeto (no caso a brochura) e por uma casualidade eu conheci o Sr. Pierre Londaix. Ele não era filatelista, mas estava no comando da Exposição Philexfrance99, que seria um grande evento a ser realizado no ano seguinte. Ele olhou a brochura e disse: este livro deve participar da exposição de 1999.
As inscrições para a classe literatura já estavam encerradas e ele disse: eu faço questão e eu pagarei do meu bolso a taxa de inscrição. Só peço que você traga em março de 1999 alguns volumes impressos. Espantado com tudo isso eu disse: vou fazer. Só não sabia como.
Voltei ao Brasil no final de novembro e tinha pela frente um enorme desafio. Revisar tudo, fazer fotolitos e encontrar uma gráfica disposta a imprimir 1.000 exemplares em tempo recorde.
Aí aconteceu algo impressionante. Tocaram a campainha do nosso escritório e uma pessoa se identificou como sendo agente de uma gráfica. Eu nunca tinha visto esta pessoa e tão pouco desconhecia o nome da empresa. De qualquer forma eu o deixei entrar.
Ele falou: sou da W.Roth S.A Indústria Gráfica e estou aqui para apresentar a nossa empresa. Nós temos um sistema que dispensa fotolitos e em nosso portfólio não temos nenhum livro de porte com aspectos culturais.
Eu quase não acreditei. Parecia um milagre. Os custos fixos para produzir fotolitos e as provas era o maior desafio financeiro para a impressão de um livro e agora surgia uma oportunidade destas!
Após todas as tratativas eu decidi que era possível entregar o livro em março de 1999. O livro teria 433 páginas em cores, capa dura e tiragem de 1.000 exemplares.
Na época o melhor sistema de armazenamento de dados chamava-se ZIP DRIVE. Veja a definição a seguir:
“É um sistema de disco removível de média capacidade, introduzido pela Iomega em 1994 e tinha uma capacidade de 100 MB. Os discos ZIP surgiram como resposta à insuficiência das capacidades de armazenamento dos disquetes. Estas apresentam uma capacidade de armazenamento de 1,44 MB contra os 100 e 250 MB oferecidos pelos discos ZIP. As utilizações mais comuns dos discos ZIP são o armazenamento de grandes quantidades de informação, backups, unidade de arranque do sistema operativo, recuperação de desastres provocados por vírus e armazenamento de downloads de Internet.”
O livro estava armazenado em cerca de 50 unidades ZIP e assim que o catálogo ficou pronto eu fui até a gráfica para fazer a transferência dos dados para o computador da empresa. Após colocar o primeiro disco no sistema percebi que para transferir tudo nós perderíamos muito tempo e era justamente isso que estava faltando.
Para resolver isso de uma vez decidi levar o meu computador completo para Osasco e fazer uma ligação direta. Isso foi feito e após muitas horas, já de madrugada, eu decidi voltar para casa. O processo iria durar a noite inteira. O que eu não sabia é que após uma mudança de turnos um estagiário da gráfica decidiu formatar os HD’s (os discos rígidos) do meu computador. Foi exatamente isso que aconteceu. Todos os meus arquivos foram apagados e não era só o catálogo enciclopédico. Dentro do meu computador havia todas as imagens de todos os selos do Brasil digitalizados em diversas versões e tamanhos. Um trabalho imenso foi jogado fora.
A IMPRESSÃO DO CATÁLOGO
Um livro geralmente é impresso em cadernos de 8, 16 ou 32 páginas. Cada folha é impressa frente e verso e depois uma máquina realiza a dobra das folhas e outra irá guilhotinar cada caderno. Por fim, uma máquina irá recolher os cadernos na ordem certa, um caderno após o outro. Para finalizar o livro o conjunto é costurado e a capa será aplicada após esta união de todos os cadernos.
No caso do enciclopédico havia mais um desafio. Como a impressão era realizada sem o exame de provas (chapas gravadas em processo totalmente digital) era preciso estar presente na impressão de cada caderno para ver se as cores estão corretas. Caso durante o processo alguma página estivesse com a cor errada, mais clara, mais escura ou empastada o processo teria que ser interrompido para um novo ajuste da máquina. O material impresso de forma deveria ser descartado. Isso nem sempre ocorreu. Basta ver o selo de 10 réis Dom Pedro II da série Barba Branca na página 176 e o mesmo selo na página 180 (mais nítido).
Isso, na época, significou que eu deveria estar presente sempre que um caderno entrasse na máquina. Isso poderia acontecer de manhã, a tarde, a noite ou de madrugada. Várias foram as minhas visitas, as vezes às 3 da madrugada.
Finalmente o livro estava impresso. Faltava ainda a encadernação da capa dura. Esta tarefa, por outro lado, foi executada em outro lugar, já na cidade de São Paulo. Lá também eu deveria acompanhar a encadernação de livro por livro. Eu revisei os 1.000 exemplares e 300 foram descartados. No final sobraram cerca de 700 unidades que foram numerados manualmente, já em nosso escritório.
De posse de 5 unidades eu já podia voltar para a França e entregá-los, conforme foi prometido, ao Sr. Pierre Londaix. Em março eu fiz a entrega pessoalmente e cumpri a minha promessa.
PHILEXFRANCE99 – 2 a 11 julho de 1999 – 150 anos do primeiro selo postal francês
Chegou o grande evento. Uma exposição internacional, realizada a cada 10 anos em Paris. Um parque de exposições gigantesco com 50.000 metros quadrados. Como eu tinha um stand e como expositor era possível entrar um tempo antes da abertura. No primeiro dia fiquei impressionado. Havia uma multidão na porta esperando a abertura do evento. Eu nunca havia visto tantos filatelistas e colecionadores em um único lugar. Na classe literatura eram 400 obras de dezenas de países concorrendo ao prêmio e lá estava o meu livro.
A expectativa era grande. O grande prêmio da exposição de selos estava sendo disputado entre duas coleções e uma delas era do Everaldo Santos Nigro. Ele não ganhou na Philexfrance, mas vitória dele ocorreu no ano seguinte na London2000.
Para a minha surpresa o Catálogo Enciclopédico venceu o grande prêmio na classe literatura com medalha de ouro e prêmio especial. Eu recebi os prêmios das mãos de Pierre Londaix e voltei com a medalha e o cristal Baccarat que guardo até hoje. Quando cheguei em São Paulo a minha mala passou pelo raio X e parou. Fui separado e tive que abrir a mala. Um agente da Polícia Federal perguntou: O senhor está levando algo metálico de tamanho grande na sua mala. Confere. Eu respondi, sim. É uma medalha que ganhei em Paris. Ele pediu que eu abrisse a mala e ao ver a medalha ficou impressionado. Olhou com curiosidade e eu expliquei a ele toda a história. Eu até brinquei com ele dizendo que como a imprensa (nem mesmo a filatélica) iriam noticiar aquele fato que seria bom ele dar ordem de prisão e chamar a imprensa. Quem sabe assim teríamos alguma repercussão na mídia brasileira. Ele achou engraçado e pediu que eu enviasse ao filho dele algo sobre filatelia. Isso foi a primeira coisa que eu fiz. Enviei um Catálogo Enciclopédico para o filho dele.
Após um tempo eu recebi pelos Correios uma caixa contendo outra medalha. Quando comparei vi que eram diferentes. Eu nunca tinha visto uma medalha de ouro ou vermeil, mas agora fiquei sabendo como eram as duas. Liguei para o comissário que sem jeito disse que ocorreu um engano. Em seguida recebi outra medalha de ouro e desta forma fiquei com duas. Um tempo depois dei a minha segunda medalha a um importante filatelista brasileiro. Ele havia dado de presente para mim uma coleção de selos fiscais do Brasil Império e fez isso com uma condição. Caso houvesse alguma peça que ele não tinha na coleção dele eu deveria devolver a que ele não tinha. Foi graças a esta coleção que eu consegui realizar o capítulo de selos fiscais.
Atualmente pedem que eu faça outro catálogo enciclopédico, mas não tem a menor ideia de que eu não tenho mais nenhuma imagem do livro de 1999.
TEMOS MUITO A FAZER AINDA
O objetivo inicial era fazer algo melhor que o catálogo de selos da Argentina. Eu tinha planejado fazer vários volumes do catálogo enciclopédico com comemorativos, aéreos, regulares desde os selos Cruzeiro até o final. Isso, porém não aconteceu. Quem sabe um dia será possível algo assim na forma digital.