O Serviço Postal por Diligências no Rio Grande do Sul
Klerman Wanderley Lopes - Setembro de 2007
Introdução:
O estudo da História Postal brasileira apresenta diversas lacunas até hoje não preenchidas. Um dos seus aspectos mais fascinantes e desconhecidos foi o Serviço Postal prestado por Diligências entre algumas cidades do Estado do Rio Grande do Sul.
Em alguns países, como a Argentina e os Estados Unidos da América do Norte, esse tipo de serviço de correio foi bem estudado e documentado em diversas publicações, mas em nosso país, continua envolto em dúvidas e incertezas.
Nos anos de 2001 e 2002 tive a ventura de adquirir, por acaso, duas cartas completas com o selo de 100 Réis D. Pedro “Barba Branca”, circuladas por meio daquela modalidade, o que me fez despertar a curiosidade sobre o assunto. A partir daí, procurei pesquisar e guardar as imagens a que tive acesso e que compartilharei com os leitores no decorrer desta explanação.
O intuito deste trabalho é expor as informações e ilustrações que compilei ao longo desses anos, objetivando despertar a atenção dos filatelistas detentores de informações que possam consolidar o conhecimento do tema.
A única referência textual que consegui refere-se a trabalho publicado em 1967 na revista “Brasil Filatélico”, do Clube Filatélico do Brasil, por um dos pioneiros da nossa História postal, o saudoso filatelista Fernando Ronna.
Aos filatelistas Peter Meyer e Everaldo Nigro dos Santos agradeço a gentileza pela cessão de preciosas imagens sobre o tema, constantes em suas excelentes publicações.
Histórico:
No tempo do Império, o interior do Estado do Rio Grande do Sul era atendido no transporte de carga e passageiros por um grande número de Empresas de Diligência, que utilizavam carroças de madeira, cobertas ou não, movidas por tração animal. Se na região central do Estado a presença de rios navegáveis fazia dos vapores o meio preferido de transporte, nas cidades ao sul, principalmente as próximas à fronteira com a Argentina e o Uruguai, era o Serviço de Diligências o mais utilizado. Sua atividade precedeu, de muito, a das Companhias Ferroviárias, que paulatinamente foram tornando obsoleto aquele serviço.
Infelizmente, não temos registro mais extenso de sua atividade na época Imperial mas, para destacar a sua importância e abrangência, adaptamos informações sobre as “Linhas de Diligência”, constantes na publicação governamental “Anuário do Estado do Rio Grande do Sul para o ano de 1883”, colhidas por Fernando Ronna.
- De Porto Alegre para Viamão partiam as diligências da empresa “Setembrina”, que faziam duas viagens por semana no Inverno e três no verão; para São João de Camaquã, a empresa de Joaquim Paulo de Araújo era responsável pelo serviço.
- De Jaguarão partiam, para Piratini a diligência “Sentinela”, de Amandio Antunes, para a Estação Basilio, a “República”, de José Gonçalves e para Cerro Largo, a diligência de Eusébio Menna.
- O trajeto entre Rio Pardo e Encruzilhada era feito pela diligência da Empresa Silva Barreto. Esta cobrava 12 mil Réis pela passagem, que incluía 5 Kg de bagagem.
- Entre Santa Vitoria do Palmar e Vila do Rocha (Uruguai), operava a Empresa Mensageira Comercial, de Manoel Rico. Nessa era permitido o transporte de 20 Kg por passageiro.
- A partir de Pelotas saíam as diligências para Cangossú de Ribeiro & Cia; nas rotas de Bagé e Montevidéu operava a Empresa Ramon Nieves.
- Quaraí, Sant’Anna do Livramento e Alegrete eram servidas pela Empresa Castel y Ramos.
- De Bagé saíam as diligências para Cerro Largo de Ramon Iturburo e Celestino Diaz; para São Gabriel, da Empresa Republicana; para Durazno, a de Valentin Rapia; para Livramento a da Empresa Aliança; para Taquarembó a de Augusto Pablo Gage e para Achar (Uruguai) a da Empresa Esperança, de Manoel A. Salgado.
- De Sant’Anna do Livramento para Cacequi partiam as diligências de Gayetano Paiva e para Alegrete, as da Empresa Higino de Freitas.
- Entre Alegrete e Cacequi trafegavam as diligências de Silva & Cia. O preço da passagem, de 40 mil Réis, incluía 10 Kg de bagagem.
- O trajeto entre Santa Maria e Cruz Alta era servido pela diligência de Jeronymo Luca Annes, cobrando 30 mil Réis pela passagem e incluindo 15 kg de bagagem.
- De São Gabriel saíam, para Bage as diligências da empresa de Cacildo Carrion e, para a Estação do Umbu, as da Empresa Gabrielense, de João Malaquias.
- De Uruguaiana a Alegrete e Cacequi operavam as diligências da empresa de Clarimundo Flores, fazendo quatro viagens por mês a Alegrete e duas a Cacequi. A empresa de Santos & Cia. operava no mesmo itinerário.
Aspectos filatélicos:
Em seu importante e pioneiro “Catálogo Enciclopédico de Selos e História Postal do Brasil”, o filatelista Peter Meyer identifica dois tipos distintos de correspondências transportadas pelo serviço de diligências: aquelas em que esse serviço se encontra explícito pelo carimbo aplicado na carta e um outro, onde aquela modalidade de envio postal pode ser inferida pelo seu conteúdo. Do primeiro tipo são conhecidos 3 diferentes formatos, que denominaremos de a, b e c, enquanto o segundo tipo apresenta aspecto único. Suas características serão discutidas a seguir.
Tipo 1a - Apresenta-se como um carimbo oval de dupla cercadura, na cor lilás, apresentando as palavras “Agência da Diligência”, “Entre”e “Alegrete a Uruguaiana” em superposição. Na sua região central, observam-se florões acima e abaixo da palavra “Entre”, como nas figuras 1 e 2.
Fig. 1 - Como no catálogo de Meyer
Fig. 2 - Detalhe da carta fig. 5
Conhecemos três correspondências com esse carimbo, todas franqueadas com o selo 100 Réis D. Pedro “Barba Branca” e destinadas a José Garcia, em Uruguaiana. Em duas delas pudemos ler o texto, verificando tratar-se de cartas de cunho comercial, escritas em 13 de fevereiro (Figura 3) e 12 de setembro de 1881 na cidade de Alegrete, pelo Sr. Guilherme Fernandes, esta pertencente a Everaldo Santos (Figura 4). A outra carta, datada de 6 de março de 1881 pertence à Coleção Meyer (Figura 5).
Fig 3 - Carta de Alegrete a Uruguaiana, de 13 de fevereiro de 1881
Fig 4 - Carta de Alegrete a Uruguaiana, de 12 de setembro de 1881
Fig 5 - Carta de Alegrete a Uruguaiana, de 6 de março de 1881
Tipo 1b - Apresenta-se como um carimbo oval de dupla cercadura, na cor negra, apresentando as palavras “Diligência”, “De M. Baltar”e “Entre Alegrete Uruguaiana e Santa Anna” em superposição. Sem florões na região central. A figura 6 foi extraída da publicação de Everaldo Santos.
Fig. 6
Do tipo 1b conhecemos duas peças: uma frente de carta, porteada com o selo de 100 Réis D. Pedro “Barba Preta” e endereçada ao Capitão João Affoso de Freitas Amorim, na cidade do Rio Grande (Figura 7) e uma carta inteira franqueada com selo 100 Réis D. Pedro “Fundo Linhado” da emissão de 1883, destinada a João Martins de Oliveira, em Uruguaiana.
Esta peça é a única a apresentar carimbos datadores em sua frente: o de presumível origem em Bagé em 24 de março e o de trânsito em Alegrete em 27 de março de 1884 (Figura 8). Não tive acesso ao seu texto.
Fig 7 - Frente de carta enviada a Rio Grande
Fig. 8 - Carta possivelmente postada em Bagé em 24 de março e endereçada a Uruguaiana, com trânsito em Alegrete em 27 de março de 1884.
Fig. 9 - Detalhe da carta fig. 7
Fig. 10 - Detalhe da carta fig. 8
Tipo 1c - Este carimbo difere dos anteriores por apresentar uma cercadura oval simples, na cor negra, contendo as palavras “Diligência de M. Baltar Fº” e, logo abaixo, “Entre Alegrete Uruguayana e Santa Anna” (Fig. 11).
Fig. 11 - Ilustração do Catálogo Meyer
Temos ciência de apenas uma peça do tipo 1c cuja imagem e descrição foram obtidas em catálogo de leilão, do qual não me recordo. Trata-se de carta de 1867, postada em Alegrete e endereçada à firma “Oliveira & Irmão”, de Uruguaiana. No seu verso apresenta postagem com selos de 80 Réis D. Pedro “Barba Preta” e 20 Réis numeral “Olho de Cabra”.
Na sua frente o endereçamento, a pequena marca em azul “Franca”, anulada a lápis e a menção manuscrita “Pela Dilligência” (Fig. 13).
Fig. 12 - Detalhe da carta fig. 13
Fig. 13 - Carta de 1867, de Alegrete para Uruguaiana
Tipo 2 - Este belíssimo carimbo ovalado apresenta dupla cercadura e a palavra “Pelotas” sobre fundo negro na sua porção central. Raramente se consegue identificar a grafia, borrada pelo uso do carimbo. O mesmo é conhecido pela imagem listada como letra “O” (Nº 1074) no catálogo de Carimbos do Brasil-Império publicado em 1937 por Paulo Ayres. Ali, o seu interior se apresenta como um oval sólido em negro.
Fig. 14 - Ilustração do Catálogo Meyer e o carimbo sobre selo de 100 Réis D. Pedro “Barba Preta”.
Do tipo 2 conhecemos três peças, duas cartas completas com porte de 100 Réis e uma frente de carta com o porte de 200 Réis, sendo essa a de maior franquia entre todas as cartas de diligência. Todas as cartas do tipo 2 partiram de Pelotas e foram endereçadas a Martin Bidart Filho, em Bagé. Quanto às cartas com porte simples, a da figura 15 foi escrita em 26 de setembro de 1875. Pertenceu a Henry Borden e foi posta à venda pela firma francesa “Boule” em fevereiro de 1999; a da figura 16 pertence a Everaldo Santos e foi escrita em 23 de setembro de 1876.
Fig. 15 - Carta de Pelotas a Bagé, de 26 setembro de 1875.
Fig. 16 - Carta de Pelotas a Bagé, de 23 de setembro de 1876.
Fig. 17 - Frente de carta de Pelotas a Bagé.
Fig. 18 - Recibo Municipal de Bagé. Licença para a exploração de Serviço de Diligências
Do acervo de Everaldo Santos, apresentamos o recibo a seguir, emitido pela Municipalidade de Bagé. Refere-se à concessão de licença para a exploração de Serviço de Diligências ente aquela cidade e a de Santa Anna do Livramento, no período de 1875 a 1876
Considerações finais
a) Pelo estudo das cartas “de Diligência” aqui apresentadas, observamos que 1867 (não temos a informação do dia e mês) é a sua referência mais antiga e 27 de março de 1884 a sua data mais tardia.
b) Todas as cartas circularam exclusivamente na região mais austral do Estado do Rio Grande do Sul, entre as cidades de Rio Grande, Bagé, Alegrete e Uruguaiana.
c) Curiosamente, entre as Empresas de Diligência citadas no Anuário do RS do ano de 1883, não consta o nome de M. Baltar.
d) Em relação às cartas com o carimbo do tipo 2, gostaria de fazer uma pequena divagação conceitual. Certamente trata-se de um carimbo bastante escasso, a julgar pela escassez de peças repertoriadas, mas poderiam aqueles realmente ser tipificados como “Carimbos de Diligência”? A menção textual sobre o meio de transporte utilizado seria suficiente para caracterizá-lo como tal? Deixo aos eventuais e pacientes leitores a análise e elucidação desse dilema.
Diligência - Acervo do Museu Imperial de Petrópolis, RJ.
Bibliografia:
FERNANDO RONNA - Serviço Postal Ambulante no Rio Grande do Sul - Brasil Filatélico nº 153-154, janeiro a junho de 1967.
PETER MEYER - Catálogo Enciclopédico de Selos e História Postal do Brasil - Editora RHM Ltda., 1999.
EVERALDO NIGRO DOS SANTOS - Brazilian Postmarks XIX Century - Edição do autor, Abril de 2003
Diligência - Acervo do Museu Imperial de Petrópolis, RJ.