OS BALÕES DA LIBERDADE


OS BALÕES DA LIBERDADE

Um balão monté que acabou indo por terra com o final da guerra.

 

A INFORMAÇÃO foi, é e sempre será de vital importância para o SUCESSO.

Quando digo "sucesso", entenda-se pessoal, amoroso, financeiro e não apenas de ordem material.

Limitar, proibir ou dificultar a comunicação entre as pessoas, seja esta escrita, falada ou digitalizada sempre foi uma poderosa arma de guerra. Confundir o adversário, criar obstáculos de comunicação é uma tarefa indispensável quando o conflito existe.

Segundo TSUN TZU, no seu livro a ARTE DA GUERRA, conhecendo bem o inimigo, a vitória final é certa. Conhecendo apenas metade, você conquista algumas vitórias, amargará algumas derrotas e o final será completamente incerto.

Para conseguir estabelecer uma comunicação em tempos de guerra, entretanto, o ser humano cria, inventa e consegue superar-se. A guerra, como tudo na vida da humanidade, apresenta dois lados: o bom e o ruim. A guerra mata, mutila e, por outro lado, cria, desenvolve, amadurece.

A FILATELIA registra, através da documentação escrita, as tentativas, os sucessos e fracassos na comunicação humana. E, em diversas ocasiões, a criatividade vai muito além da imaginação da maioria das pessoas não-familiarizadas com a história da própria filatelia.

O ramo da filatelia que estuda, arquiva, pesquisa a comunicação humana através da palavra escrita chama-se HISTÓRIA POSTAL.

HISTÓRIA POSTAL apresenta termos específicos, muitas vezes desconhecidos pela maioria das pessoas.

"BALLONS MONTÉS", "BOULES DE MOULINS", "PIGEONGRAMMES", "PONY EXPRESS", "PAPILLONS DE METZ", "TIN CAN MAIL", "ALASKA TEAM DOG" são exemplos de termos filatélicos associados ao que chamo de "CORREIOS DE EXCEÇÃO". São formas inventivas, criativas de transporte de mensagens escritas, geralmente associadas a dificuldades geográficas, de conflitos e guerras.

Neste pequeno artigo, já que a filatelia é por demais extensa, iremos tratar do nascimento e evolução dos chamados "Ballons Montés".

 

UM PAÍS! UM IDIOMA?

 

A Confederação Germânica, que era presidida pela Áustria, foi formada por 38 estados, onde o idioma alemão predominava. Era do interesse austríaco esta divisão, pois estados pequenos, agrários e sem indústrias facilitavam o seu domínio. Havia um estado, entretanto, possuindo a região da renânia industrializada, que não se conformava com esse atraso. Era a Prússia, que desejava uma unidade alemã para participar da divisão das colônias no mundo, já que quase finalizada pela Grã-Bretanha e França.

A fracassada revolução de 1848, chamada de "esquina do mundo", impediu e retardou a unidade alemã e italiana por via pacífica.

A retirada da Áustria do "Zollverein" (unidade alfandegária germânica) permitiu uma expansão industrial da renânia e a aliança da alta burguesia alemã com os Junkers permitiu o início da sonhada unidade alemã.

Em 1862, com o lema FERRO E SANGUE, sobe ao posto de Primeiro Ministro Otto Von Bismarck, arquiteto da nova nação. É da sua lavra a seguinte frase: "O direito mais sagrado de uma nação é existir e ser reconhecida como tal".

 

A GUERRA DOS DUCADOS

 

O Congresso de Viena e a Santa Aliança restauraram e legitimaram o absolutismo monárquico, ou Antigo Regime, cedendo a região de Schleswig-Holstein (ao norte da futura Alemanha) à Dinamarca e Lombardo-Vêneto para a Áustria.

Em 1863, a Dinamarca anexou o ducado de Schleswig-Holstein, pretexto que Bismarck precisava para iniciar a Guerra da Prússia com a Dinamarca.

Para dar prosseguimento ao plano, era necessário ter a Áustria como aliada. Questões territoriais da conquista foram os elementos indispensáveis para uma rivalidade austro-prussiana.

O segundo passo seria uma guerra contra a poderosa Áustria. Antes, porém, uma aliança com a Itália e a neutralização de Napoleão III, em 1865, foram ingredientes indispensáveis para esta segunda etapa.

A Itália, partindo de Piemonte principalmente, desejava a anexação de Lombardo-Vêneto.

Napoleão III não deu apoio aos italianos nesta questão, pois protegia o Papa Pio IX com suas tropas no futuro Vaticano. O Papa era contrário à formação de uma Itália unida.

 

A GUERRA AUSTRO-PRUSSIANA DE 1866

 

Chamada de "Guerra das 7 Semanas", a Prússia liquidou a Áustria na batalha de SADOWA. Assim, a Itália recebe Veneza e renuncia ao Tirol, Trentino e Ístria. A sua capital é Florença, pois Roma continua ocupada.

Dissolve-se a Confederação Germânica e nasce a Confederação Germânica do Norte, com a emissão de selos postais próprios. Faltava agora a fase mais complicada: unir o sul alemão, católico, ao norte, luterano. O sul da futura Alemanha ficava entre o norte alemão e a França. Uma guerra era eminente, faltava o motivo, o estopim.

 

A GUERRA FRANCO-PRUSSIANA DE 1870

postal da época mostrando a subida de dois balões

 

A candidatura do Príncipe Leopoldo de Hohenzollern, parente do Rei da Prússia, ao trono da Espanha e o veto de Napoleão III eclodiram este conflito. A batalha de Sedan selou a guerra e, com isso, Guilherme II foi coroado Imperador no salão dos espelhos de Versalhes, fundando o II REICH. Nascia a Alemanha, recebendo grande indenização da França e a Alsácia-Lorena.

Paris ficou cercada por tropas prussianas. Foi nessa situação que o gênio e o amor ao balonismo, por parte dos franceses, criou os chamados "BALLONS MONTÉS".

Torna-se necessário conhecer esses dados históricos, que relacionam Napoleão I (Congresso de Viena de 1815), a Unidade Italiana e Alemã, a colonização do novo mundo com a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Um perfilar de fatos interligados quase sempre registrados na História Postal.

 

OS BALÕES DA LIBERDADE – BALLONS MONTÉS

 

Paris estava cercada. Para se comunicar com parentes e amigos, surgiu a idéia de utilizar balões, com um piloto e alguns passageiros, que partiam de Paris. Levados pelo vento, caíam fora do cerco prussiano, mas isso nem sempre dava certo. De lá, a correspondência segui a pé, por carroça, depois de navio até seu destino final.

Estabeleceu-se um peso máximo, formato, tarifa postal e, no dia 22 de setembro de 1870, seguiu viagem o "LE NEPTUNE". Ao todo, foram 67 balões, cada um com um nome diferente e cada qual com seu destino: cair nas mãos do inimigo (Le General Chanzi), sofrer acidente (Le Jacquard), cair em país distante (Ville d’Orleans na Noruega) e aqueles normais, como Le Duquesne, que levava uma carta dirigida ao Rio de Janeiro/Brasil.

 

A classificação do "Ballons Montés"

 

Existem dois tipos: os identificados, conhecidos pela inscrição "Par Ballon Monté" e os não-identificados, que, presume-se, tenham viajado nestes balões pelas datas do carimbo de saída e chegada e não apresentam a inscrição "Par Ballon Monté".

 

Grau de Raridade

 

Diversos fatores afetam o grau de raridade. A seguir, apresentamos os mais importantes para cartas ordinárias com 80 Centimes de porte:

 

Acidentes – Le Richard-Wallace;

Balão recuperado de um acidente, sem selo (imersão na água).

Destinos estranhos e distantes – O ilustrado para o Brasil e peças enviadas para a Prússia, o inimigo;

Um balão para o Brasil com carimbo de chegada.

Com carimbos de passagem – O La Ville de Paris;

Balão com pouca correspondência – o Le Non-Dénommé 1, com apenas 4 kg de correspondência;

E o último balão – Le General Cambronne, de 21 de janeiro de 1871.

A seguir, apresentamos o mapa que apresenta os pontos de queda de todos os "Ballons Montés" enviados durante o cerco de Paris.

Um balão enviado para a delegação brasileira em Londres.

 

A LISTA DOS 67 BALÕES

 

O LE DUQUESNE – 55° balão do cerco

Este balão decolou no dia 9 de janeiro de 1871, às três horas da madrugada, na chamada Gare d´Orleans, em Paris e, depois de voar 170 km em 12 horas, caiu em Ludes, no Marne, a leste de Paris. Seu piloto foi Charles Richard e seus passageiros, Aymand, Chemin e Lallemagne.

O Marne estava ocupado por tropas prussianas e os sacos de correspondência seguiram em charretes à mansão Pommery e, depois, para Reims. Uma delas seguiu depois por um vapor francês até o Rio de Janeiro e lá recebeu, no verso, um carimbo azul, tipo francês, do Rio de Janeiro. O balão Le Duquesne era munido de hélices, sendo um ensaio de balão dirigível.

 

AS RESPOSTAS – AS BOLAS PERDIDAS APRISIONADAS

Um boule de moulin que está no Museu Postal de Paris

 

A idéia de enviar balões com cartas resolveu uma parte do problema de comunicação entre Paris e o mundo exterior. Quem pergunta deseja uma resposta. Como foi então que estas cartas foram respondidas?

A criatividade e o desejo de estabelecer uma linha de comunicação inversa, do exterior para Paris, gerou os chamados "BOULES DE MOULINS".

 

Estas bolas de zinco, jogadas à noite no Rio Sena, continham centenas de cartas, geralmente respostas dos "Ballons Montés". Apesar de existirem cartas "Par Boule de Moulin", somente 13 chegaram ao seu destino, pois os soldados prussianos, sabendo da existência dessas bolas levadas pela correnteza do Rio Sena, divertiam-se, treinando tiro ao alvo. As cartas eram postadas com 1 franco francês e têm o mesmo aspecto físico dos Ballons Montés.

 

AS 13 CARTAS

 

No dia 6 de agosto de 1968, durante uma dragagem do Rio Sena, em Saint-Wandrille, encontrou-se uma bola de zinco, um "Boule de Moulin", ainda com sua correspondência intacta. Eram 539 cartas. O respeito ao cidadão fez com que os Correios de Paris anunciassem a descoberta e, na procura de descendentes dos destinatários, 13 pessoas reclamaram e receberam, com um certo atraso, sua correspondência. As demais estão ao lado da bola de zinco original no Museu Postal de Paris (Musée de la Poste). As 13 peças estão no mercado filatélico, com um carimbo de cor vermelha, indicando os dados dessa descoberta feita 98 anos após o conflito franco-prussiano.

 

OS PIGEONGRAMAS

Um pombo correio empalhado

O microfilme da época.

 

Outra forma de fazer chegar uma resposta à uma carta "Par Ballon Monté" eram os pigeongramas. Estas mensagens foram atreladas aos Pombos Correios que levados pelos "Ballon Montés" voltariam à Paris com as respostas. Normalmente as pombas voltavam e ficavam sobre o famoso ARCO DO TRIUNFO no centro parisiense. Lá um agente recolhia as pombas com as mensagens. Por sorte, nesta mesma época, inventou-se a microfilmagem. Isso possibilitou que uma única pomba fosse capaz de levar em um pequeno filme cerca de 30.000 mensagens. A seguir mostramos o aspecto físico de um deste PIGEONGRAMAS.

A microfilmagem - inventado na época do conflito.

 

OUTRAS FORMAS DE CORRESPONDÊNCIA

O cerco de Paris é um campo de estudos inesgotável. Há poucos anos atrás descobri alguns livros do autor Ernst M. Cohn que mostram outras formas postais de comunicação. Cartas contrabandeadas dentro de sacos de arroz, por diplomatas, por núncios papais entre outras.

Há também os "Papillon de Metz", precursores dos "Ballon Montés", criados por um farmacêutico residente em Metz. Durante o cerco à sua cidade ele enviou balões com 1,1m de diâmetro e que sem passageiros conduzia uma correspondência informal em uma pequena cesta. Estas peças são extremamente raras.

Um Papillon de Metz original.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Colecionar é divertir-se, aprender e, quando bem feito, com uma boa orientação, passa a ser também um bom investimento. Não adianta imaginar que comprando figurinhas, papel pintado estaremos investindo.

Uma carta de Pernambuco que não chegou por conta do cerco à paris. Voltou para Londres.

Bijuteria, sem o toque de Midas, não vira jóia nunca, nem daqui a centenas de anos.

O mesmo acontece com as peças filatélicas.

 

Por Peter Meyer

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