OS SELOS DO CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA (1822-1922)
José Paulo Braida Lopes (jpaulobraida@hotmail.com)
Há 100 anos, em 7 de setembro de 1922, foi comemorado o Centenário da Independência do Brasil. Para relembrar a efeméride, marcante na história do Brasil, os correios emitiram três selos (RHM C0014, C0015 e C0016). A história, desde quando foi definido que um selo postal seria emitido para celebrar o evento, até a publicação do edital definindo a circulação destes selos, é possível ser relatada, de forma cronológica, baseado em jornais da época (“O Paiz” do Rio de Janeiro, “O Jornal” do Rio de Janeiro, “Correio Paulistano” de São Paulo, “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, “Jornal do Brasil” do Rio de Janeiro, “O Combate” de São Paulo, “Jornal do Commercio” do Rio de Janeiro e “A Gazeta” de São Paulo), que estão disponíveis para consulta na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
A História
A emissão de um selo comemorativo do Centenário da Independência do Brasil surgiu quando o então Presidente da República, Epitácio Pessoa, aprovou e autorizou a publicação, em janeiro de 1921, do programa oficial dos festejos comemorativos do centenário da nossa Independência. Além da Exposição Nacional, com a previsão de pavilhões estrangeiros, e de várias outras atividades cívicas e culturais, foi autorizado também a emissão deste selo.
Em 19 de março de 1921, foi publicado no Diário Oficial um edital abrindo concurso público para apresentação do desenho do selo comemorativo do Centenário da Independência. Principais cláusulas incluídas no edital: os desenhos terão a forma retangular; o processo para a execução poderá ser o traço ou aquarela; as provas deverão ter uma ou duas cores, no máximo; cada concorrente subscreverá seu trabalho com um pseudônimo; os trabalhos deverão ser entregues dentro de um prazo de três meses, a partir de 19 de março, concedendo a comissão, após julgamento, aos concorrentes classificados em 1º, 2º e 3º lugares, os prêmios de 3.000$. 1.000$ e 500$, respectivamente.
Alguns artistas solicitaram à comissão organizadora a fixação do valor do selo, pois os algarismos poderiam ser aproveitados como elemento decorativo. No Diário Oficial do dia 10 de abril foi publicado um aditivo no edital, fixando a taxa de 100 réis a ser incluído no desenho do selo.
Logo após a fixação do valor para o selo, ”O Jornal” do Rio de Janeiro publicou, em 12 de abril, um artigo onde se destaca os seguintes trechos – “Está noticiado – e parece que resolvido definitivamente – que vamos ter um selo postal comemorativo do Centenário da Independência do Brasil. E que esse selo será de 100 réis e... será único. ... Um selo comemorativo, e de 100 réis. É ridículo. ... com ele não poderá se postar sequer uma carta: o selo é de um tostão quando a franquia postal é 150 réis dentro do país e o dobro desta para o estrangeiro! ... Os selos do Centenário deveriam ser mais de um, de diversos valores. Com o que, aliás, lucrariam as rendas dos correios, porque esses selos terão fatalmente grande procura. Mas, quando reconhecerem isso, será talvez demasiadamente tarde. O Centenário terá passado. E a lição servirá ... para outro!”
Vinte e dois artistas apresentaram trabalhos, que foram julgados por uma comissão constituída pelos Srs. João Baptista da Costa (presidente), Rodolfo Chambelland, Raul Pederneiras e Adolfo Morales de los Rios. A comissão resolveu que nenhum dos trabalhos merecia qualquer dos prêmios do concurso, tendo em vista o caráter filatélico, as qualidades artísticas, a boa execução material e as exigências do edital, mas recomendaram três trabalhos que poderiam ser aproveitados como o selo do Centenário da Independência. Todos os trabalhos inscritos no concurso foram expostos, para visitação pública, na Biblioteca Nacional a partir de 15 de setembro de 1921.
O pintor Eliseu Visconti foi um dos artistas que participou do concurso para escolha do selo comemorativo do Centenário da Independência. No livro “Eliseu Visconti – A Arte em Movimento”, Leonardo Cavalleiro e Claudio Lamas de Farias comentam sobre esta série de selos projetados por Visconti: “A segunda série de estudos de selos postais realizados por Visconti data de 1921 e tinha como tema a comemoração do Centenário da Independência. Esta série apresenta originais soluções gráficas, como as três composições diferentes para o título “1º Centenário da Independência do Brasil” e a interseção de algarismos no espaço reservado aos valores, um experimento tipográfico utilizado anteriormente nos estudos de cartas- bilhete. A série foi projetada em resposta ao concurso proposto pelos correios, mas os selos não foram colocados em circulação. A comparação com os selos emitidos pelos correios na mesma ocasião põe em evidência o contraste entre a qualidade gráfica dos estudos de Visconti e a visão retrógrada que pautava o processo de criação de selos postais no Brasil naquela época”.
Fonte: https://eliseuvisconti.com.br/
Em vista do parecer da comissão julgadora a Sociedade Philatelica Paulista, através de seu presidente, Sr. William E. Lee, apresentou, em fevereiro de 1922, o seguinte protesto:
“A filatelia brasileira deliberou protestar perante a comissão executiva do Centenário da Independência que analisou o concurso aberto para execução dos selos comemorativos escolhendo, pois, três tipos de selos, desenhados por valentes artistas da pintura, mas que não satisfazem a recordação duradoura que a grande data de 7 de Setembro de 1922 deve perpetuar.
Trata-se do nosso 1º centenário. Este importante acontecimento da vida política do nosso bem amado Brasil vai ser, dentro em poucos meses refletido nos nossos selos comemorativos; e como nos selos, todos os países refletem os grandes movimentos políticos, de um século para cá, fielmente gravados, formando síntese maravilhosa da vida dos povos, a Sociedade Philatelica Paulista convida os Srs. Pires do Rio e Homero Baptista, ministro da Viação e Fazenda, a refletirem um momento sobre o assunto e a tomarem em consideração este protesto”.
E, em março de 1922, o presidente da Sociedade Philatelica Paulista endereçou ao presidente da comissão executiva do Centenário, o seguinte ofício:
“Prezado Sr. – Associando-se à patriótica ideia de solenizar o 1º Centenário da Independência do Brasil, a ilustrada Comissão Executiva dos Festejos, propôs, oficialmente uma emissão comemorativa do grande evento. Aplausos mereceu esse alvitre por parte de todos os brasileiros e dos filatelistas no cumprimento de um dever cívico.
O Centenário é uma resenha retrospectiva do passado, para bem salientar a evolução de uma nacionalidade, acentuar as suas características étnicas, as suas aptidões e resistência à vida coletiva, definir a sua função na história da civilização.
Parece-nos, pois, que a emissão comemorativa, harmonizando-se com a significação do fato comemorado, deve ser, tanto quanto possível, uma síntese da vida nacional durante um século de vida.
Esperava-se, portanto, uma série de selos que tivesse missão verdadeiramente patriótica e utilíssima, tornando-se precioso veículo de ensino cívico no interior de nosso país, e de propaganda das glórias e progresso da nossa pátria no estrangeiro.
Qual não foi a decepção geral quando apareceram os três desenhos escolhidos! A cada um, apesar de executado por valentes professores de pintura, falta-lhe o requisito indispensável afim de que realmente tenha mérito, isto é, basear-se na história pátria.
Portanto, a Sociedade Philatelica Paulista, reunida em seção na noite de 15 do corrente mês, não podendo silenciar sobre a projetada emissão de três selos comemorativos, um deles, qualificado pela imprensa de nossa capital, como “selo funerário”, propõe à ilustrada Comissão Executiva do Centenário que, para comemoração da faustosa data de 7 de setembro de 1922, se faça uma emissão especial das nossas fórmulas de franquia, a exemplo do que tem feito vários correios do mundo, mas com alta significação patriótica, como o requer a honra nacional e como o desejam os filatelistas.
Mas para que não lhe faltem o brilho, mérito e sucesso esperado, é imprescindível que a Comissão Executiva estude e adote um plano, ajudada pelo concurso de pessoas competentes (e no Rio não faltam, pois que existe a Sociedade Philatelica Brasileira, com sede à rua S. Pedro, nº 72).
Assim procedendo e lavrando este protesto, não o fazemos com preocupações egoísticas ou vaidosas, mas sim procuramos, simplesmente, bem servir à nossa pátria e à filatelia.
Com a mais elevada estima e distinta consideração, subscrevemo-nos”.
Da comissão executiva do Centenário da Independência do Brasil, o sr. William E. Lee, presidente da Sociedade Philatelica Paulista, recebeu a seguinte carta:
“Rio de Janeiro, em 28 de março de 1922 - Cumpre-me comunicar-vos que a comissão executiva do Centenário, em seção de 24 do corrente, resolveu, atendendo as ponderações feitas por essa Sociedade, substituir os desenhos dos selos comemorativos de 100 e de 300 réis por outros que representem significação histórica e educativa.
Na hipótese de possuir essa Sociedade algum projeto que se preste ao fim aludido, peço-vos a fineza de o remeter, para que seja examinado pela comissão.
Reitero-vos os meus protestos de alta estima e consideração. – J. B. Mello e Souza, Secretário Geral.”
O sr. William E. Lee, presidente da Sociedade Philatelica Paulista, recebeu em maio de 1922, da Comissão Executiva do Centenário, a seguinte carta:
“Em referência a vossa carta de 6 de abril último, transmito-vos as inclusas informações em cuja conformidade esta Comissão Executiva acaba de fazer a encomenda definitiva dos selos comemorativos do Centenário, com as taxas de 100, 200 e 300 réis.
Como se verifica, em dois selos predomina o caráter histórico e educativo, em um deles figurando o quadro de Pedro Américo “O Grito do Ipiranga”, e no outro os retratos de Pedro I, e do Patriarca José Bonifácio.
O terceiro tem uma significação de maior atualidade, porquanto mostra um aspecto panorâmico da Exposição Nacional, o magno cometimento em que o Brasil põe a prova as suas conquistas em todas as modalidades do trabalho humano, no decurso deste 1º século de independência, e demonstra as suas possibilidades inesgotáveis de engrandecimento nos séculos vindouros.
A comissão tem ainda em estudo a escolha do bilhete postal e aguarda a decisão da Diretoria Geral dos Correios sobre a conveniência de serem emitidos selos de outros valores.
Agradecemos o interesse revelado por essa corporação, reitero-vos os protestos de minha elevada estima e consideração. – J. B. de Mello e Souza, Secretário Geral”.
Finalmente, em 16 de junho de 1922, foi publicado no Diário Oficial o Edital referente aos selos comemorativos do Centenário da Independência do Brasil.
Os Selos Emitidos
RHM C0014
Valor facial: 100 réis
Processo de Impressão: Talho-doce
Impressão: Waterlow & Sons, de Londres
Papel: Tramado, gomado e sem filigrana
Folha com 100 selos
Tiragem: 5.000.000 selos
Dimensão do selo: 33 x 25 mm
Picotagem: 14 x 14
Data de emissão: 07/09/1922 (Catálogo Clerot de 1926 indica como 12/09/1922)
RHM C0015
Valor facial: 200 réis
Desenhista: Francisco Hilarião Teixeira da Silva
Processo de Impressão: Talho-doce
Impressão: Waterlow & Sons, de Londres
Papel: Tramado, gomado e sem filigrana
Folha com 100 selos
Tiragem: 5.000.000 selos
Dimensão do selo: 33 x 25 mm
Picotagem: 14 x 14
Data de emissão: 07/09/1922 (Catálogo Clerot de 1926 indica como 21/09/1922)
RHM C0016
Valor facial: 300 réis
Processo de Impressão: Talho-doce
Impressão: Waterlow & Sons, de Londres
Papel: Tramado, gomado e sem filigrana
Folha com 100 selos
Tiragem: 3.000.000 selos
Dimensão do selo: 33 x 25 mm
Picotagem: 14 x 14
Data de emissão: 07/09/1922 (Catálogo Clerot de 1926 indica como 21/09/1922)
Comentários
Não foi possível localizar as imagens dos selos escolhidos pela comissão julgadora do concurso, para lembrar o evento;
O selo de 200 réis (RHM C0015) foi desenhado pelo artista Francisco Hilarião Teixeira da Silva. Para os outros dois selos, até o momento, não foi possível identificar qual foi o artista responsável pelos desenhos;
A participação de Sociedades Filatélicas da época, em nome dos filatelistas, foi fundamental para a escolha final dos selos que seriam emitidos;
A divulgação, nos jornais da época, de assuntos relacionados aos selos comemorativos do centenário, tornou possível, cem anos depois, contar os fatos inerentes à emissão destes selos;
A data do início de circulação dos selos é controversa, conforme mostrado na tabela abaixo:
Qualquer informação adicional será muito bem vinda.
Fontes:
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional - http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx
Site do Museu dos Correios - https://apps.correios.com.br/acervo/
Catálogo RHM Online - https://oselo.com.br/catalogo/
Catálogo Histórico Dos Sellos Postaes do Brasil – 1843-1925 de Leon F. Clerot
Catálogo de Selos do Brasil 2019 – 61ª Edição – RHM